sábado, 24 de setembro de 2005

(Neste dia, em . . . ) PARABÉNS VICENTE !

Eduardo Torres convida... Álvaro Antunes

A fim de assinalarmos condignamente a passagem do 70º aniversário do nosso grande e querido Vicente, decidimos convidar o amigo Álvaro Antunes para sobre ele escrever. Para mim, o Álvaro é um grande Belenenses, daqueles (poucos...) que verdadeiramente entende a Alma do nosso Clube. Tenho por ele grande consideração e respeito e foi com muita satisfação que recebi a notícia da sua aceitação do convite que lhe enderecei. Em boa hora o fez, visto que nos ofereceu um artigo verdadeiramente extraordinário.

PARABÉNS, VICENTE !

Homem Bom do futebol português”, “O mais fino defesa do Mundo”, “O homem que secou Pelé”, são alguns dos títulos que tornaram Vicente famoso em Portugal e no Mundo. Os seus duelos com o brasileiro Pelé ficaram para a História do Futebol. Na década de sessenta foi o único a conseguir a proeza de, em várias ocasiões, anular Pelé sem lhe tocar, tornando-se por isso mesmo, um dos ídolos daquele que é por muitos considerado o “Rei” do Futebol. A sua capacidade de desarme era tal, que a frase “Corta Vicente!” tornou-se popular entre todos os adeptos do futebol, qualquer que fosse a sua simpatia clubística.

Filho de Matambo Lucas e Margarida Heliodoro, Vicente Lucas da Fonseca nasceu em Lourenço Marques (hoje Maputo, capital de Moçambique) no dia 24 de Setembro de 1935. Foi o último de cinco irmãos: Alberto Monteiro, o mais velho, jogador de futebol no clube local “João Albasini”; Albertina; Matateu, oito anos mais velho do que ele; Lisete e Vicente, o mais novo. Moravam no Alto Mahé, bairro popular dos arredores da capital moçambicana, onde o futebol era a principal ocupação nos tempos de lazer.
O pai, tipógrafo de profissão, faleceu quando Vicente tinha apenas oito anos de idade. A família não era abastada e ele entraria para a escola apenas aos doze anos.
Por essa altura, Mário Coluna, que mais tarde seria seu colega na selecção nacional, era seu vizinho, companheiro de escola e de clube. Não um clube a sério, mas um clube de garotos lá do bairro, o “Sport Clube Acrobático” a cuja a fundação estava ligado Matateu. Pagavam quotas para a compra de material - camisola, calções e bola. Não as botas, porque jogavam descalços. Defrontavam pequenos clubes modestos de outros bairros. Nesses tempos de criança, havia as gazetas à escola, os intermináveis jogos que terminavam nem davam tempo para almoçar, as tareias das mães... E havia também uns certos miúdos, sempre a pedincharem para os deixarem jogar um bocado. Uns miúdos chamados Eusébio e Hilário... Então, já o seu irmão Matateu brilhava no 1º de Maio, filial do Belenenses, e não dava muita confiança ao miúdo “Mandjombo”, alcunha de Vicente que em landim significa “muita sorte”. Até a própria mãe lhe chamava assim.

Aos quinze anos, Vicente recebeu um convite de Ervin Brás, dirigente do 1º de Maio, para jogar nos juniores do clube. A mãe autorizou, mas pediu para lhe arranjarem um emprego. Assim sucedeu e Vicente foi trabalhar (de borla!...) numa garagem, como aprendiz de mecânico. Nos juniores do 1º de Maio cedo se impôs, mostrando toda a sua habilidade. Jogava então a interior-direito e, sob a orientação de Carlos Dinis, conheceu os seus primeiros êxitos.
Os progressos foram rápidos e, apenas com dezasseis anos, foi escolhido por Severiano Correia para integrar a selecção de juniores de Lourenço Marques que defrontou a sua congénere da África do Sul. Fez uma grande exibição, e no final da partida recebeu o primeiro convite para jogar no continente, da parte do Lusitano de Évora. Mas a mãe não autorizou, afirmando que ele era ainda muito novo... Ainda com dezasseis anos, passou a jogar na primeira categoria do 1º de Maio, ascendendo por mérito próprio, a plano de destaque no futebol de Lourenço Marques. Foi ganhando experiência, ocupando sempre com brilho todos os lugares no trio central do ataque. Com dezassete anos, foi convocado para a selecção principal de Lourenço Marques que defrontou o Sporting Clube de Portugal, em digressão por terras africanas. Não chegaria, porém, a ser titular.

Entretanto, um adepto belenense, barbeiro de profissão, avisou o clube das qualidades do irmão de Matateu. Foi então, que este escreveu para casa, pedindo à mãe para deixar o “Mandjombo” vir para o Belenenses. Mas, mais uma vez, D. Margarida disse “não”! No entanto, o capitão Soares da Cunha, que mais tarde viria a ser presidente do Clube, estava em Lourenço Marques e intercedeu junto da mãe. Prontificou-se a pagar, imediatamente, vinte contos e prometeu formalmente que Vicente seria cuidadosamente tratado, e teria o seu futuro assegurado. E finalmente, o jovem “Mandjombo” ouviu o “sim” da mãe, que significava o seu ingresso num dos grandes do futebol português.
Embarcou no paquete “Pátria”, com os votos de boa sorte dos seus conterrâneos amigos, companheiros de equipa e familiares. Enjoou bastante durante a viagem de três semanas sobre o mar, mas um tripulante do barco, belenenses ferrenho, jamais lhe faltou com os seus conselhos e palavras de incentivo. Até o comandante se interessou por aquele menino ajuizado e crescido, já rotulado de “estrela”, que vinha para jogar “à bola”...
Em Lisboa, Matateu ia dizendo aos amigos: “O Vicente? É melhor que eu”. A notícia da sua vinda provocou um grande alvoroço entre as hostes azuis. “Vem aí o Matateu II”, dizia-se então...

Chegou a Lisboa no dia 30 de Julho de 1954 (uma sexta-feira), ainda com dezoito anos.
No Jornal “A Bola” do dia seguinte, o jornalista Vítor Santos descreveu o ambiente invulgar que se vivia no cais da Rocha de Conde de Óbidos, em Alcântara, onde afluíra uma autêntica multidão à espera do “Matateu II”. O novo recruta azul foi aí recebido, às nove horas e vinte e seis minutos, pelos directores do clube, por vários associados e pelo seu irmão Matateu, que de seguida o levou de carro para sua casa, perto da Alameda D. Afonso Henriques. Conta Vítor Santos que, ao dirigir-se ao recém-chegado e tratá-lo por “Matateu II”, ouviu-o esclarecer: “Matateu II não! Eu sou o Vicente”.
Por sua vez, o Jornal “Record” do mesmo dia, publicava na primeira página uma destacada reportagem de que a seguir se transcrevem algumas passagens:
“Por entre os grandes guindastes, que se moviam, lentamente, num ritmo surdo de motores, avistámos, pela primeira vez, Vicente Lucas – Matateu II. Debruçado na amurada do Pátria, atracado na rocha de Conde de Óbidos, o novo jogador do Belenenses sorria para o irmão, que em terra lhe acenava.
Vicente Lucas vestia fato azul escuro e notámos, mais tarde, que a lapela ostentava um emblema do Belenenses. Procurou ser dos primeiros a desembarcar e, de facto, não demorou muito que a sua figura esguia se notasse nas escadas de portaló”.
Ainda sobre a sua chegada a Lisboa, o “Mundo Desportivo” publicaria a 2 de Setembro de 1954, uma curiosa entrevista de que a seguir se divulga um excerto, onde Vicente é tratado por “Rafael”:
“Quando o Lucas, bem guardado (não fosse algum ‘milhafre’ aparecer por ali) rodeado de dirigentes, jornalistas e admiradores, pôs o pé em terra, o ‘ferrenho’ dirigiu-se-lhe, abraçou-o e declarou:
- Amigo Rafael!...bom dia, seja bem-vindo.
Ficará na memória desse adepto belenense, para toda a vida, uma consolação: a de ter sido ele o primeiro a abraçar o novo ídolo.
Aproximamo-nos de Rafael Vicente mas, apenas para lhe fazermos três perguntas. De resto, que teria para dizer o Rafael? Sim a carreira dele está no começo e, na sua terra, poucos devem ter sido os momentos inolvidáveis, até hoje vividos. Por isso, interrogámos:
- E está satisfeito por ter vindo para Metrópole?
- Sim, muito satisfeito. É claro que venho cheio de saudades, mas isto, com o tempo, há-de passar...
- A que posto pretende actuar?
- Eu, no 1º de Maio, actuava a interior-direito.
- Espera alcançar os mesmos êxitos do seu irmão?
- Sim, se for profissional...sei lá! Gostaria de seguir as pegadas dele. Tenho fé...não quero deixar mal o nosso nome...vamos ver...
E o Rafael Vicente Lucas seguiu ao encontro do irmão, que o esperava cá fora. Um grande abraço uniu os dois homens”.

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Os treinos para a nova época ainda não tinham começado, e foi o internacional Serafim das Neves (no impedimento do irmão Matateu) quem, dois dias depois, o levou pela primeira vez às Salésias. Foi grande a emoção, ao entrar pela primeira vez naquele Estádio histórico, enorme, gigantesco, comparado aos “pelados” da sua terra...
Alguns dias mais tarde começou o trabalho a sério. O chileno Fernando Riera era então o treinador do Clube. Vicente andava nervoso, “lá por dentro”, mas não exteriorizava. Sorria sempre, e em cada colega conquistava um “protector” e um amigo. Matateu, com o seu optimismo esfuziante, ia-lhe incutindo ânimo.

A sua estreia com a camisola azul, ocorreu no Estádio Nacional diante do Atlético, na “Festa de Despedida” de António Feliciano, a 5 de Setembro de 1954. Pelo Belenenses, que venceu por 4-0, alinharam: José Pereira; Rocha, Feliciano (depois Figueiredo) e Serafim; Pires e Diamantino; Medeiros (depois Dimas), Vicente Lucas (depois Di Pace), Vinagre, Matateu e Jorge Alexandre (depois Angeja). Os golos foram marcados por Medeiros e Vinagre na primeira parte, e por Diamantino e Dimas no segundo tempo.
O Jornal “Record” de 7 de Setembro de 1954, com o título “A Estreia de Matateu II”, publicava um artigo com a opinião de outros “interiores” sobre a estreia do jovem Vicente:
“A turma de Belém apresentou no Estádio Nacional algumas das suas novas unidades.
De entre elas atraiu especial atenção o interior direito Vicente – irmão do popular Matateu – que fez a sua estreia oficial no quadro dos azuis. Poder-se-á dizer que, duma maneira geral, o novo dianteiro belenense deixou boa impressão, mas temos de concordar que ainda é muito cedo para aquilatar das suas reais qualidades”. E a seguir algumas das impressões recolhidas sobre Vicente:
Pedroto – “É um jogador fino, muito habilidoso e ágil. Todavia não é um avançado para dar luta. Em todo o caso agradou, pela rapidez e subtileza do passe. Promete, pois, alcançar posição de revelo na equipa de Belém”;
Di Pace – “A impressão deixada neste seu primeiro jogo não podia ser melhor. Vê-se que promete distinguir-se quando melhor integrado no conjunto. É um jogador de estilo diferente do irmão. Não há pontos de semelhança entre ambos – a não ser a cor. No pormenor, o Vicente chega a ser primoroso. Tem boa corrida, dá a bola com excelente conta e revela concepção de jogo”;
Travaços – “Não me desagradou. Teve algumas jogadas interessantes. O que mais me impressionou foi o seu domínio de bola e a visão dos lances. No entanto, pareceu-me frágil e pouco rápido. Mas com o tempo se verá...”.

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No mesmo jornal, podia-se ler, na análise ao trabalho dos jogadores: “Vicente Lucas – Boa promessa, a do irmão de Matateu. Mostrou ser ordenador de jogo. Veremos a continuação”.
Ainda sobre a sua estreia, o jornalista Carlos Pinhão escreveu no “Mundo Desportivo”: “... Pelo que ontem revelou, Vicente Lucas é muito capaz de poder arcar com o nome de Matateu. É parecido com o mano – e não só na cor, nem, apenas, naquelas características que distinguem os da sua raça. É parecido a jogar e, especialmente, naquele jogo de braços tão curioso, na maneira de conduzir a bola e num ou outro pormenor. É talvez mais suave que o irmão, menos brusco nas arrancadas – e ontem, pelo menos, muito menos chutador e muito mais organizador”.

Uma semana depois, a 12 de Setembro, deu-se a sua estreia em jogos oficiais. Foi na abertura do campeonato nacional, em encontro com o F. C. Porto realizado nas Salésias. O Belenenses venceu por 1-0 e Vicente, actuando a interior-direito, marcou o único golo da tarde. Houve um cruzamento de Matateu já na pequena área, ele meteu o pé e empurrou a bola para o fundo da baliza...
Nos jogos seguintes derivou para o lado esquerdo, mantendo-se na linha atacante. Inúmeros belenenses viam nele um segundo Matateu, “goleador”, “fura-redes”... Mas Fernando Riera tinha outra opinião, e antes da partida com o Vitória de Guimarães, perguntou-lhe se já tinha jogado a médio. Respondeu Vicente que sim “...ás vezes, a brincar, lá em Lourenço Marques”. Riera perguntou-lhe se gostava, respondendo Vicente: “Eu gosto de jogar. O mister é que sabe”. “Então vais jogar em Guimarães a médio”, disse Riera. “E jogar bem! Porque o teu feitio é mais de médio”, acrescentou. E assim foi. A 17 de Outubro de 1954, o Belenenses venceu em Guimarães por 3-1 e Vicente, jogando a médio-esquerdo com a tarefa de marcar o brasileiro Edmur, seria considerado o melhor elemento em campo, exibindo-se a grande altura.
As jornadas seguintes confirmaram o acerto da escolha e, anos mais tarde, Vicente viria a considerar Riera “...um técnico extraordinário”, a quem ficara a dever o êxito que acabou por alcançar na sua carreira futebolística.
A 31 de Dezembro de 1954, o Jornal do Clube (então semanário...) publicou um artigo na primeira página, sob o título “A Figura do Jamor: Vicente”. Nele, destacava-se a sua exibição na vitória de 2-1 sobre o Sporting, em encontro realizado no Estádio Nacional (então casa emprestada do Belenenses):
“De domingo para domingo, de jogo para jogo, as suas qualidades vão-se afirmando, ganhando maior projecção a sua figura de jogador fino, subtil, dotado de vastos recursos e de magnificas qualidades.
Sóbrio, sem dar nas vistas, sem jogar para ‘a galeria’, mas extremamente útil, Vicente Lucas é, certamente, a maior revelação do futebol português desta temporada.
É o verdadeiro tipo de jogador maleável, que se adapta perfeitamente a todas as missões, sempre com a mesma aplicação, com o mesmo rendimento e com a mesma utilidade.
Apesar dos seus 19 anos e dos escassos meses de actividade na Metrópole, Vicente Lucas é já, sem dúvida, uma grande figura do futebol português, que segue na peugada do seu famoso irmão.
E muito há ainda a esperar da sua juventude, da sua aplicação, do seu desejo permanente de se valorizar cada vez mais e, sobretudo, das suas magníficas qualidades.
No domingo, no Estádio Nacional, perante 40 mil espectadores, Vicente Lucas voltou a fazer alarde da sua classe, realizando exibição primorosa, exemplar de calma e de intuição.
Quer a defender, sempre oportuno e no ‘melhor sítio’, quer a atacar e a lançar os seus dianteiros, mercê de passagens de excelente visão, a revelarem magníficos pés, Vicente Lucas foi sempre figura saliente, merecendo, portanto, as honras de ser considerado o melhor elemento em campo.
E no Estádio Nacional estiveram dez internacionais”.

O seu nome foi subindo de cotação e no dia 10 de Abril de 1955, ainda com dezanove anos, estreou-se como internacional na “Selecção B”, frente ao Luxemburgo. Portugal ganhou por 3-1, e ele fez um primeiro tempo de grande nível, justificando a escolha. Por incapacidade física não apareceu depois do intervalo. A equipa portuguesa quebrou o ritmo inicial, e mais se radicou no espírito dos espectadores a valia do jovem Vicente.
Nessa época memorável, sofreria um dos maiores desgostos da sua vida. A 24 de Abril de 1955, nas Salésias, perdeu o título de campeão nacional a quatro minutos do fim! O Sporting conseguiu o empate, quando já havia quem festejasse o título, no peão e nas bancadas. O Belenenses somou 39 pontos, tal como o Benfica, mas a vantagem do goal-average deu o título a estes.

Em Junho do mesmo ano, Vicente participou com o Belenenses na “Taça Latina”. Embora derrotada pelo Real Madrid (0-2) e pelo Milan (1-3), a equipa de Belém deixou um rasto de valor e de simpatia, de que o público e a crítica francesa fizeram eco. O importante semanário francês “France-Football”, de 28 de Junho, quase exclusivamente dedicado aos encontros da “Taça Latina”, deu grande espaço a Matateu e ao seu jovem irmão Vicente, publicando várias fotografias dos dois jogadores belenenses, que considerou autênticas vedetas do futebol europeu. O conceituado jornalista Max Urbini referia-se a Vicente afirmando:
“Não terminemos sem rever o comportamento de um elemento do Belenenses que confirmou toda a sua classe, o médio-esquerdo Vicente Lucas, o irmão de Matateu.
Que actividade! Lucas quer estar em toda a parte ao mesmo tempo. Ele é tão bom na defesa como no ataque. Com um estilo de uma ‘souplesse’ magnífica, ele efectua um ‘vai-e-vem’ continuo.
Com 19 anos, Vicente Lucas é, sem dúvida alguma, um dos melhores médios europeus”.
Terminou essa época numa digressão que o Clube efectuou por Angola.

No ano de 1956, participou na inauguração do Estádio do Restelo, em dois encontros realizados a 23 e 25 de Setembro. No primeiro, frente ao Sporting, o Belenenses venceu por 2-1. Na equipa azul alinharam então: José Pereira; Pires, Raul e Moreira; Carlos Silva (depois Inácio) e Vicente; Dimas, Di Pace, Miranda (depois Perez), Matateu e Tito. Marcaram os golos Miranda e Matateu (pelo Belenenses) e Gabriel (pelo Sporting). Sobre esta partida, Mário Macedo escreveu no Jornal do Clube de 27 de Setembro de 1956: “Isolados os pontos nevrálgicos do Sporting, movimentado o ataque ‘azul’, para criar as ‘zonas’ de infiltração e de tiro, à defesa cabia uma missão de expectativa e antecipação. Em globo, os jovens defensores, tiveram, sem dúvida a sua melhor partida da época. Raúl, rápido e desenvolto, criava dificuldades a Pompeu que derivando para os flancos, procurava abrir espaço para Gabriel, vigiado por Vicente, em dia de acção notável”.
No segundo encontro, realizado a 25 de Setembro, o Belenenses derrotou por 2-0 os franceses do Reims (que em 1959 chegariam à Final da Taça dos Campeões Europeus). O Jornal do Clube sublinhou a exibição com os títulos “A Assistência delirou com a exibição do Belenenses que venceu o Reims por 2-0” e “Admirável exibição dos azuis frente ao Reims”. Alinharam então pelo Belenenses: José Pereira; Pires, Raul e Moreira; Carlos Silva e Vicente; Dimas, Di Pace, Miranda (depois Massey), Matateu e Tito. Pelo Reims, recheado de vedetas, alinharam entre outros, Just Fontaine e Jean Vincent. Os golos foram marcados por Miranda e Matateu. Sobre a partida, Mário Macedo escreveu no mesmo jornal: “A defesa belenense, em magnífica exibição (Raul teve momentos empolgantes) sustinha o combate e Vicente (passado ligeiro período de acerto de posição), impulsionava o ataque (com bela ajuda de Silva) onde Matateu, galvanizava a assistência com jogadas irresistíveis”. Em 1961, quando interrogado numa entrevista sobre “qual o melhor jogo da sua carreira?”, Vicente afirmaria: “Foi contra o Reims, no Restelo. Ganhámos a uma equipa extraordinária”.

No dia 7 de Maio de 1958, integrando a equipa do Belenenses, venceu o Barcelona por 2-1, em jogo particular disputado no Estádio do Restelo. Nesse desafio o Belenenses apresentou: José Pereira; Pires, Figueiredo e Paz; Moreira e Vicente; Milton (depois Miguel Norte), Matateu, Carlos Silva (depois Bezerra), Yaúca e Tito. Pelos catalães alinharam, entre outros, Ramallets, Evaristo e Kubala. Marcaram Carlos Silva e Matateu (pelo Belenenses) e Martinez (pelo Barcelona). O jornalista Mário Macedo escreveu então: “Vicente foi o fulcro defesa-ataque e um ponteiro firme na sua manobra”.

Vicente estreou-se finalmente na Selecção “A”, a 3 de Junho de 1959, em Lisboa frente à Escócia. Com 23 anos, e já consagrado nas selecções “B” e “Militar”, a chamada à selecção principal há muito que vinha sendo “reclamada” pelo público e pela crítica. Era um acto de justiça, que os seus méritos de jogador já justificavam. Pela equipa nacional, alinharam ainda outros dois belenenses, Raul Figueiredo (que também se estreava) e Matateu que marcaria o único golo da partida, dando a vitória a Portugal. Durante o estágio, que antecedeu este desafio, o médico da selecção entendeu que dois dentes do siso estariam a prejudicar a fisiologia de Vicente, e deu ordem para os arrancar... Cheio de pavor, Vicente, profissional cumpridor, lá se submeteu à operação, embora algo contrariado. Afinal, os dentes do siso estavam óptimos, perfeitamente sãos, e passariam a figurar como troféus simbólicos, junto de outros que Vicente foi coleccionando...

Ainda em 1959, o Belenenses conquistou a “Taça de Honra” da A. F. L., ao vencer o Sporting por 1-0, na Final disputada a 13 de Setembro. No jogo de apuramento, a 7 de Setembro, havia batido o Benfica por 1-0. Frente ao Sporting, alinharam: José Pereira; Pires, Figueiredo e Moreira; Marciano e Vicente; Dimas, Yaúca, Tonho, Matateu e Estêvão. Yaúca, marcou aos 89 minutos o golo da vitória. Nesse dia, Vicente foi distinguido pela A. F. L., com a medalha de ouro “Prémio de Desportivismo e da Correcção”, pelo seu comportamento exemplar durante a época de 1958/59. No Jornal do Clube de 18 de Setembro, Mário Macedo escrevia na análise ao encontro: “De Vicente, diremos que mantém a sua habilidade, mas que está ganhando força e estilo. O Vicente, de pendular trabalho, sempre regular, está evoluindo para chegar ao seu melhor. É, de momento, o melhor médio-defesa do futebol português”; “Vicente, recebeu a Taça, como capitão. Uma medalha de ouro, como jogador disciplinado. Se os nossos futebolistas seguissem o exemplo de Vicente, o futebol português teria outro cartel internacional. Sairia da mediocridade”. Ainda no mesmo jornal, podia-se ler, legendando duas fotografias de Vicente (uma com a taça, e outra a receber a medalha): “DIA INESQUECÍVEL – Vicente Lucas – um nome que é um símbolo – teve no domingo um dia inesquecível, que ficará gravado a letras de ouro na sua carreira recheada de êxitos. Recebeu a medalha de ouro da A. F. L. e foi-lhe entregue a ‘Taça de Honra’, que na gravura ostenta com manifesta satisfação. Um dia grande, Vicente!” e “MOMENTO ALTO – Um dos momentos mais altos da carreira de Vicente Lucas. No seu peito de atleta correcto brilha a medalha de ouro de comportamento exemplar”.

Poucos dias depois, a 24 de Setembro, outro momento inesquecível para Vicente. Passou-se no Estádio do Restelo, ao segundo dia da Festa do 40º Aniversário do “seu” Belenenses (por coincidência, dia do seu 24º aniversário). Pelas 22 horas, entraram em campo as equipas de honra e reservas do Clube. Depois de perfiladas frente à Tribuna, procedeu-se à consagração de Vicente, pela medalha de ouro, com que fora distinguido pela A. F. L.. Os aplausos pareciam não ter fim, e Vicente foi obrigado, por mais de uma vez, a ir ao centro do relvado agradecer comovido. “Um internacional que, com modéstia, galhardia e desportivismo está a escrever uma biografia ímpar no desporto português”, escrevia-se então no Jornal do Clube.

A época de 1959/60 terminou em apoteose para Vicente.
Na Final da “Taça de Portugal”, disputada a 3 de Julho de 1960, bateu o Sporting por 2-1 e ergueu a taça como capitão de equipa. Pelo Belenenses jogaram então: José Pereira; Rosendo, Pires e Moreira; Castro e Vicente; Yaúca, Carvalho, Tonho, Matateu e Estêvão. Marcaram os golos Carvalho e Matateu pelo Belenenses, e Diego pelo Sporting. Sob o título, “Vicente, por ele e pela equipa mereceu receber a taça”, no Jornal “Record” de 5 de Julho podia-se ler: “Vicente – Foi um digno vencedor da ‘taça’, aliás como todos os companheiros. A sua exibição, cheia de ‘suplesse’ e de lisura inexcedível encheu o Estádio!”. O mesmo jornal publicava ainda transcrições do relato da Final pela rádio: “Avançada do Sporting. Seminário endossa a Diego e este a Vadinho. Corta Vicente...”; “Atenção! Tonho está à entrada da grande área e vai rematar. Rematou, mas a bola embate na barra...”; “É livre na linha média do Sporting contra esta equipa. Há agora grande confusão, Yaúca remata , Sá defende... e... golo, go-o-o-o-o-lo do Belenenses. É Castro, não, não é Castro, é Carvalho, senhores ouvintes, o autor do tento...”; “Atenção... confusão na grande área dos leões, a bola vai a entrar, Sá mergulha... Golo... go-o-o-o-o-lo do Belenenses, golo de Matateu...”.

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Se 1959/60 terminou em apoteose, 1960/61 começou da mesma forma...
Para a “Taça de Honra”, o Belenenses (com Vicente) venceu o Benfica por 5-0, em jogo disputado no Estádio do Jamor, a 4 de Setembro de 1960. Alinharam pela equipa azul: José Pereira; Rosendo, Pires e Moreira; Castro e Vicente; Yaúca, Matateu, Tonho, Carlos Silva e Estêvão. Matateu (3) e Yaúca (2) marcaram os golos. No “Record” de 6 de Setembro escreveu-se: “Vicente – Prestando excelente colaboração à defesa, optou por alimentar o ataque um tanto de longe, valendo-se da precisão do passe, que executou invariavelmente bem”.
Na Final, disputada com o Atlético, o Belenenses venceu por 2-0, e Vicente ergueu a “Taça de Honra” da A. F. L. pela segunda vez consecutiva. Nessa tarde, recebeu ainda outra medalha de ouro da A. F. L., pelo seu comportamento na época de 1959/60.

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No decorrer dessa época, Vicente sofreu uma lesão grave que o manteve mais de três meses inactivo, parte do tempo com a perna engessada até acima do joelho. Foi num jogo com o Atlético, disputado no Restelo, já na segunda volta do campeonato. Sem que ninguém lhe tocasse, Vicente ao levantar o pé para dominar a bola, sentiu um rasgão, num músculo da perna. Chegou a correr o boato de que Vicente não poderia voltar a jogar futebol. Mas os cuidados do Dr. Silva Rocha, e do massagista João Silva, conseguiram a sua recuperação total.
Em 1962, participou com o Belenenses no prestigiado Torneio Internacional de Nova Iorque. O torneio realizou-se em duas séries, de 20 de Maio a 29 de Julho. O Belenenses venceu a sua série com quatro vitórias e um empate. Num dos jogos, disputado a 22 de Julho, bateu a equipa grega do Panathinaikos por 5-1, enchendo de alegria a vasta colónia portuguesa que assistiu ao encontro. Com a Cruz de Cristo ao peito alinharam então: Nascimento; Rosendo, Castro e Rodrigues; Cordeiro e Vicente; Vítor Silva, Livinho, Yaúca, Matateu e Peres. Os golos da equipa azul foram marcados por Matateu, Yaúca (2), Vítor Silva e Livinho. No final, os gregos ofendidos pela pesada derrota, entraram em cenas de violência. Das bancadas desceram reforços e o campo de futebol transformou-se em “campo de batalha”. Até o antigo atleta do Clube, Raul Figueiredo, radicado havia pouco tempo em Newark, arregaçou as mangas e foi dar uma ajuda...
A 31 de Julho, o Jornal “Record” publicava na primeira página, a toda largura, uma foto da equipa do Belenenses (com Vicente) sob o título: “O Belenenses honrou o futebol nacional”. A equipa de Belém perderia os jogos da Final frente ao América e, à chegada a Lisboa, Vicente dava a sua opinião sobre a participação no torneio:
- Gostei muito do torneio. Estou satisfeito pela minha equipa ter conseguido resultados que muita gente não esperava, e que vieram honrar ainda mais, o futebol português.
- As equipas mais difíceis?
- A sueca e a austríaca.
- O jogo contra os gregos?
- Uma lástima. Eles queriam ganhar à força...
- O América?
- Não gostei. É no entanto uma boa equipa, que poderíamos ter levado de vencida. Para isso não suceder muito contribuiu a falta do meu irmão.

Com a Cruz de Cristo ao peito, defrontou novamente o Barcelona na época de 1962/63, numa eliminatória da “Taça das Cidades com Feira”.
Depois de empatar em casa a 1-1, a equipa de Belém realizou uma excelente exibição em Nou Camp, conseguindo novo empate a um golo. O encontro disputou-se a 11 de Outubro de 1962 e pelo Belenenses alinharam: José Pereira; Pires, Paz e Rodrigues; Castro e Vicente; Adelino, Carvalho, Rafael, Yaúca e Peres. Os tentos foram marcados por Peres (Belenenses) e Re (Barcelona). “Refira-se, ainda, que o Belenenses, muito embora tenha conseguido um excelente resultado e que bastante dignifica o futebol português, podia ainda ter ido mais além, pois sofreu o tento em condições discutíveis (com o marcador fora de jogo) e não viu uma falta sobre Yaúca, dentro da grande área do Barcelona ser devidamente castigada” escrevia-se no Jornal “Record” a 13 de Outubro. “Vicente – A jogar atrasado, o seu verdadeiro lugar, foi ele próprio” referia o mesmo jornal. À chegada a Lisboa, o dirigente azul Manuel Ferreira Trindade afirmaria: “A alma belenense esteve em Barcelona!”.
Para desempatar a eliminatória, foi necessário realizar um terceiro jogo, de novo em Nou Camp, que o Barcelona venceria por 3-2. Sobre este jogo, Vicente diria na chegada a Lisboa: “A vitória esteve ao nosso alcance e só não a conseguimos porque o árbitro suiço não autorizou. É de lamentar que não tivesse tomado uma atitude digna durante a primeira parte em que o nosso adversário actuou com bastante rudeza”.

Ao serviço da Selecção Nacional, viveu a 21 de Abril de 1963, mais um dia de glória. Portugal venceu pela primeira vez o Brasil, então bi-campeão mundial, e Vicente realizou uma exibição espectacular, secando por completo o brasileiro Pelé. Nessa tarde, na equipa portuguesa alinhou ainda o belenense Yaúca.
No Jornal “A Bola” do dia seguinte, que considerou Vicente como o melhor português em campo, podia-se ler: “Sessenta mil pessoas viram, com os seus próprios olhos, como Vicente conseguiu transformar um ‘rei’ num ‘plebeu’, converter um ‘fenómeno’ num jogador vulgar, impedir, em suma, que Pelé fizesse ‘pingar’ ao menos uma vez, sobre o relvado do Jamor, um fio de luz do seu decantado (e real) génio futebolístico. É que por mais incrível e espantoso que pareça, foi isso mesmo que aconteceu: Pelé não lhe ganhou uma única jogada. Em que mágica fórmula bebeu Vicente o segredo do seu êxito? Só ele o saberá por inteiro. Pela nossa parte, apenas ousamos assinalar este pormenor: Vicente só pensava na bola enquanto esta poderia estar ao alcance de Pelé, para evitar que ela lhe chegasse aos pés. Se a bola se afastava de Pelé, ele não ia com a bola, mas com Pelé. Outros têm procedido de outro modo e foram esmagados. Ele procedeu assim e esmagou Pelé”.
No mesmo dia, Ricardo Ornelas escrevia no “Diário Popular: “Vicente, em atenção a Pelé, confirmou as suas duas exibições anteriores com impressionante naturalidade, tão bem ele entrou em acção em oposição ao famoso jogador. Também ele muito influenciou para a anulação de esforços da equipa brasileira, tendo em vista o resultado. Haverá pela Europa fora tantos Vicentes?...”.
Ainda sobre o mesmo desafio, lia-se no “Record” de 23 de Abril: “Um conselho a Vicente: para a próxima vez que defrontar Pelé, pode levar um bolso mais pequeno. Na verdade Vicente é um predestinado para anular Pelé e o conhecimento directo que já tem do seu adversário permitir-lhe-á um pouco mais de maleabilidade. Ganhou mais uma vez no confronto com Pelé”.
No final dessa partida com o Brasil, o famoso locutor desportivo brasileiro Jorge Curi, desabafou aos microfones da Rádio Nacional do Rio de Janeiro: “Quem veio para ver o ‘Rei’ Pelé, ‘viu’ Vicente!”. O próprio Pelé afirmou então sobre a actuação de Vicente: “Fez uma excelente exibição. Aliás, uma exibição à altura da categoria que tem”. Posteriormente, Pelé confessaria ao árbitro Joaquim Branco, antigo atleta do Clube, a sua simpatia pelo Belenenses: “Simpatizo muito com o seu clube, não podendo esquecer-me que foi o Belenenses o meu primeiro adversário como jogador do Santos e que é também nele que alinha Vicente, que muito admiro”.

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Ainda no final do encontro com o Brasil, Vicente, entrevistado pelo “Record”, declarou: “Voltei a sair-me bem com Pelé, sem dúvida o maior futebolista do Mundo. O facto de ele ter sido pouco feliz, não diminui em coisa alguma a grande admiração que sinto pelas suas extraordinárias faculdades”.
No dia seguinte ao jogo, um grupo de sócios do Belenenses, atendendo à sua excelente exibição, promoveu-lhe um jantar de homenagem no Restaurante da Secretaria do Clube, na Avenida da Liberdade.

A 23 de Setembro do mesmo ano, durante um jantar de confraternização integrado nas comemorações do 44º Aniversário do Clube, Vicente foi mais uma vez homenageado. Desta feita, com a atribuição do “Pepe-63”.
Também o Jornal “Diário Popular”, distinguiu Vicente, elegendo-o como o melhor futebolista do ano de 1963.

Entretanto, a preocupação das equipas com a defesa foi aumentando e a maioria passou a utilizar o “4-2-4”, em detrimento do “WM” que vinha sendo adoptado. Vicente recuou então para o centro da defesa, quer no Belenenses, quer na Selecção.
A excelência das suas exibições continuou, e o Jornal “Mundo Desportivo” atribuiu-lhe o “Prémio de Regularidade” referente à época 1965/66.

Representando a equipa das quinas, Vicente esteve presente no Mundial de 1966 disputado em Inglaterra. Integraram ainda a comitiva dos “magriços” os belenenses José Pereira (guarda-redes), Dr. Silva Rocha (médico da selecção) e José Gomes da Silva (coordenador da selecção). No eixo da defesa portuguesa, Vicente rubricou então prestações notáveis, sendo considerado um dos impulsionadores da brilhante carreira da equipa nacional.
Depois do jogo inaugural frente à Hungria, no “Diário Popular” de 14 de Julho, o jornalista Aurélio Márcio analisou da seguinte forma a exibição de Vicente: “Viu-se e desejou-se para fazer o seu lugar na marcação a Bené e ‘safar’ Baptista. De pequena estatura, encontrou também dificuldade no jogo alto, mas foi ganhando o seu ritmo, e, à meia-hora, estava excelente a desarmar e a entregar a bola. Uma das grandes exibições da equipa”.
As suas actuações frente à Bulgária e ao Brasil foram igualmente brilhantes. No jogo com a Coreia do Norte lesionou-se, mas teve de se manter campo porque naquele tempo não eram permitidas substituições. Sobre o que então aconteceu, disse Vicente, anos mais tarde, à Revista “A Bola Magazine”: “Eu fracturei a mão direita nesse jogo, ainda hoje cá tenho as marcas, desarmei um coreano e ele pisou-se, mas é evidente que não foi por isso que sentimos todas aquelas dificuldades, eu suportei as dores, porque ainda não havia substituições”. Esta lesão impediu-o de jogar com a Inglaterra e a União Soviética. Portugal acabaria por ficar em terceiro lugar e o jornal inglês “Daily Mail” considerou Vicente “o defesa mais fino do futebol Mundial desde 1954, quando Andrade jogou pelo Uruguai”.
Em resultado da sua participação no Mundial de 66, foi condecorado pelo Presidente da República com a Medalha de Mérito Desportivo, e pela Federação Portuguesa de Futebol com a Medalha de Ouro e cartão perpétuo.

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Na época de 1966/67 , Vicente apenas efectuou cinco jogos: em Granada (jogo particular), frente ao Atlético (para a “Taça de Honra”) e os restantes para o campeonato, com a CUF, Beira Mar e Vitória de Guimarães.
A 7 de Outubro de 1966, pouco depois das 17 horas foi vítima de um brutal acidente de automóvel, que terminou de forma abrupta a sua brilhante carreira de jogador de futebol. Aos 31 anos, com tanto ainda para dar...
No livro “Vicente - o homem que não foi vencido” publicado em 1967 pela “Agência Portuguesa de Revistas”, o próprio Vicente evoca o que se passou nesse fatídico dia:
“Ia para o Restelo, pela Avenida de Caselas. Saí daqui (referia-se a Carcavelos) bastante cedo para levar a minha mulher ao hospital para visitar o pai, que está lá internado. Deixei-a no hospital e fui para o estágio. Isto é, para a concentração no Restelo para seguirmos para Vale de Lobos. Seguia devagar, porque tinha muito tempo. Na minha frente, ia a furgoneta em marcha ainda mais lenta. Eu ia a ultrapassá-la. A furgoneta vira para voltar para trás! Mesmo à minha frente. Virei o volante todo à esquerda. O meu azar... Estava em cima do poste! Foi um vidrinho do para-brisas que me a rasgou a vista... A chapa na testa... Todo eu era sangue, como se tivesse aberto uma torneira... Não desmaiei. Saí até ao carro muito bem. Ainda fui discutir com o homem. Estavam lá uns rapazes que viram o desastre. Pediram-me para me ir tratar, que eles ficavam a tomar conta do carro. Pedi ao homem da furgoneta para me levar ao Restelo. O homem levou-me. Quando cheguei, parecia uma torneira. O Carlos Pedro ia com umas malas para o autocarro. Chamei-o: Ó Carlos Pedro, olha para isto! O quê?! – disse ele. Tenho a impressão de que ele não me reconheceu ou nem queria acreditar. Coitado! Deitou fora as malas e desatou a correr para mim. O massagista Silva estava a telefonar e também deitou fora o telefone. Coitados, estavam todos aflitos! Era para sairmos às cinco e meia e foram todos mais tarde para o estágio... Entretanto telefonaram para o Dr. Silva Rocha. Ele chegou logo. Levou-me à clínica. Fui cosido em cima (referia-se à brecha na testa) com vinte e dois pontos. A vista é que era o pior, mas eu nem sabia... O oftalmologista, Dr. Grilo, operou-me, nessa noite.
Depois soube que a coisa era séria quando começaram as visitas em série. Os colegas, está bem. Mas os outros... Todas as equipas que vinham a Lisboa iam lá... Os rapazes do Benfica... E pessoas que eu não conhecia, que não eram desportistas... Todos me acarinham. A Federação, o Sr. Vasco Morgado, o meu clube... Até o Pelé me enviou aquela carta! Palavra de honra! Sinto... não sei o quê. Nem sei como agradecer a todos!”.

A 22 de Janeiro de 1967 teve lugar a “Festa de Homenagem” a Vicente, sob o lema “Vamos dizer a Vicente que vale a pena ser bom”. Foi uma homenagem múltipla, sem precedentes, que uniu todos os desportistas de Norte a Sul do País na disputa de 22 “Taças Vicente Lucas”, constituindo uma grande manifestação de solidariedade com um grande campeão do desportivismo!
No Estádio do Restelo, o Belenenses derrotou o Atlético por 4-3 (Matateu, então com 39 anos, marcou dois golos pelo Atlético) e no outro jogo Benfica e Sporting empataram 1-1. Vicente deu o pontapé de saída e, no final, exclamou:. “Tudo isto faz com que sejam ainda mais fortes as saudades que terei de todos vós”.
Os restantes encontros realizaram-se em Aveiro, Castelo Branco, Évora, Famalicão, Faro, Guimarães, Leiria, Santarém, Porto e Setúbal.
No dia seguinte, o Jornal “A Bola” intitulava na primeira página, a toda a largura, “Grande Jornada de Solidariedade”, “VICENTE – Consagração Nacional digna de si e do Futebol” e ainda “A JORNADA DO RESTELO FICA PARA A HISTÓRIA DO DESPORTO EM PORTUGAL”.

Durante o ano de 1974, Vicente tirou o curso de treinador. Desde então, treinou sucessivamente o Peniche, o Vasco da Gama de Sines, o Sesimbra, o Desportivo de Castelo Branco e o Amiais. Em 1981 passou a treinar os infantis do Belenenses até que, no final da época, foi chamado para adjunto de Júlio Amador, num jogo com o Amora para o campeonato. Nos dois encontros seguintes (os últimos dessa época dramática para o Clube) substituiu Amador como treinador principal. Nas épocas posteriores foi adjunto de Félix Mourinho, de Fernando Mendes, de Jimmy Melia, de Henri Depireux e de Marinho Peres. Quando o Belenenses contratou Chiquinho Conde ao Maxaquene, umas das cláusulas obrigava o Clube a enviar para lá dois técnicos. Vicente ofereceu-se para ir juntamente com Carlos Sliva. Esteve por lá dois anos, regressando ao Belenenses para trabalhar nas camadas jovens do Clube. Em 1990, numa entrevista à Revista “A Bola Magazine”, afirmava: “Gosto muito de trabalhar com miúdos e acho que tenho jeito. E, como estou no ‘meu’ Belenenses e os miúdos também gostam de mim, considero-me um homem feliz...”.

Com o “seu” Belenenses, Vicente Lucas participou em 284 jogos do Campeonato Nacional (onde marcou 12 golos), tendo alcançado por uma vez o segundo lugar e por quatro vezes o terceiro. Venceu uma “Taça de Portugal” e duas “Taças de Honra”. Em representação de Portugal, foi 20 vezes internacional “A”, conseguindo um terceiro lugar no Campeonato do Mundo.
Hoje, ao completar a bonita idade de setenta anos, é um dos grandes símbolos vivos (senão o maior) do Clube de Futebol “Os Belenenses”, e será, sempre, uma referência imortal do futebol português.


Parabéns Vicente!
Obrigado pelo enorme orgulho que me faz sentir em ser belenense.