quinta-feira, 13 de outubro de 2005

A "Elite"

Os que andam pela blogosfera azul, em particular aqueles que a tornam um pouco mais concreta – os editores dos blogues – foram já apelidados de muitas coisas, algumas com razão, outras de forma completamente despropositada. Não discuto nenhuma dessas classificações. As que têm fundamento aceito-as, concorde ou não com elas, com as outras deveriam os seus autores preocupar-se e não os acusados. Há, no entanto, uma “acusação” que venho hoje aqui assumir. Os editores dos blogues são muitas vezes acusados de pertencerem a uma elite. É verdade, sim senhor! Somos uma elite. Assumo-o, e vou já tentar explicar porquê.

Antes de mais, a razão de sermos uma elite não tem nada a ver com qualquer tipo de méritos pessoais, de origem ou de direitos diferenciados. A razão é outra e é muito simples: SORTE!

Proponho que façamos todos um pequeno exercício mental para tentar caracterizar o adepto típico do Belenenses, já que nenhum órgão competente (?) do Clube ainda o conseguiu fazer. O Belenenses típico, a que chamarei a partir de agora Zé Pastel (com o devido agradecimento ao meu amigo CPA, "autor" da expressão) para simplificação de linguagem, é uma pessoa que faz contas de cabeça todos os dias, porque sobrevive com o salário mínimo nacional ou vegeta com uma reforma de miséria. Para além da sua família e do seu trabalho, e do equilíbrio dessas contas, de que faz também parte aquilo a que nós chamamos trocos, com que ele paga a quota do Belenenses e as entradas no Restelo, o Zé Pastel não tem grandes preocupações. Nem grandes aspirações. Sonhos, muito menos. Com uma excepção: ir ao Restelo ver o seu Belenenses ganhar. É um sonho que compreendemos certamente, também o temos. Mas nós, os da elite, temos outros sonhos...

Quando entrámos na difícil idade da adolescência tivemos a sorte de pertencermos a uma família que nos continuou a abrigar, a alimentar, a acarinhar. Que permitiu que continuássemos a estudar, primeiro no Liceu, depois na Universidade. Que nos aparou e amparou a existência até à idade adulta. Aos dez anos, com a quarta classe mal feita, o Zé Pastel foi para uma mercearia alombar com cabazes de batatas ou para as obras carregar baldes de cimento. Nós tivemos sorte, o Zé Pastel não. É a vida, dirão muitos. Pois é, mas faz toda a diferença!

Somos todos belenenses, o Zé Pastel, os milhares de Zés Pastéis que constituem a esmagadora maioria dos adeptos do Clube, e nós, aqueles que os incontornáveis desígnios da sorte atiraram para a elite. Como belenenses temos todos os mesmos direitos, mas não os mesmos deveres...

O Zé Pastel é um belenense exemplar, por inteiro. Faz tudo o que pode pelo seu Clube. Paga as quotas, muitas vezes à custa de uns cigarros que deixou de fumar e de uns cafés que não bebeu, vai ver os jogos ao Restelo, fica triste quando o Belém perde e experimenta a sensação de ser feliz quando o Belém ganha. Não pode fazer mais, e é muito, ou melhor, é tudo. Nós também fazemos isso, à excepção do sacrifício dos cigarros e dos cafés, mas é pouco... e está muito longe de ser tudo.

As condições com que a sorte nos bafejou deram-nos capacidades que não fazem parte do universo do Zé Pastel. A formação e informação que a vida nos proporcionou, enquanto o Zé Pastel acartava cabazes de batatas ou baldes de cimento, deram-nos capacidades a vários níveis: intelectual, profissional, social, económico até. Temos por isso o dever, nós, os que pertencemos à elite, de pôr essas capacidades ao serviço do Clube, de fazer quilo que o Zé Pastel não pode; só assim seremos tão belenenses como ele...

E, mais uma vez, é a sorte a única e decisiva razão desta diferença. Não tem nada a ver com icompetência do Zé Pastel ou com qualquer tipo de mérito da nossa parte. É sorte pura. O Zé Pastel também teria as nossas capacidades, ou outras, quiçá melhores, se tivesse tido as condições que nós tivemos para as desenvolver...

Temos todos o mesmo direito: a alegria de ver o Belenenses ser o maior. Também temos todos deveres. O Zé Pastel cumpriu o dele, faz tudo o que pode pelo seu Clube. Nós não, não fazemos tudo, mesmo escrevendo nos blogues. Nós temos o dever de fazer aquilo que o Zé Pastel não pode fazer, mas faria se pudesse. E fazer com que o seu sonho se torne realidade. O Zé Pastel e o Clube esperam isso de nós. Mais, têm o direito de exigir isso de nós.

Só nos resta um caminho a seguir, a nós, os da elite: imitar o Zé Pastel! Aprender, com aplicação, a lição que ele nos ensina. Com humildade, seguir o seu exemplo. Como ele, fazermos tudo o que pudermos pelo nosso Clube!

Saudações azuis.