segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Junto à Estátua de Pepe

Esta crónica é escrita em memória da Rosa Maria e é dedicada aos meus companheiros do Belenenses Sempre.

Sempre que o F.C. Porto vem jogar ao Restelo traz uma coroa de flores para depositar junto à estátua de Pepe.

É uma tradição antiga, cuja razão tem dado origem a algumas confusões. Eu próprio não sei muito bem qual é, nem tal me preocupa particularmente. Habituei-me a encarar tal cerimónia como mais um elemento do rico historial do meu Belenenses. Sinto-me também alvo da homenagem do F.C. Porto. Eles não prestam esta homenagem a mais ninguém. Por isso, aplaudi hoje, como sempre, os jogadores do F.C. Porto durante esse acto simbólico, como aplaudi e apoiei, como sempre, os jogadores do C.F. “Os Belenenses” durante o jogo. Não vejo nada de contraditório neste comportamento. Pelo contrário, ambas as atitudes fazem parte da minha integridade belenense.

Desde há muito, que este evento provoca variados tipos de reacções entre os adeptos do Belenenses. Há quem se sinta honrado, como eu, há quem ache graça, há quem tolere, há quem se sinta indiferente, há mesmo quem considere o facto de a permitirmos como um acto de vassalagem ao F.C. Porto. Respeito todas estas posições, mas discordo em absoluto da última. Vassalagem não é aceitar as flores para Pepe; a sua memória merece-as e muito mais. Vassalagem foi o que aconteceu hoje durante o jogo e o que acontece há muito tempo no nosso Clube. Vassalagem foi uma equipa desmotivada que desrespeitou os seus adeptos e a camisola que enverga. Vassalagem foram as declarações deploráveis do Senhor Treinador antes e depois do jogo. Vassalagem é a postura, ou a falta dela, de quem tem sobre os seus ombros a tarefa de dirigir o Clube e deixa arrastar, há longos anos, o emblema da Cruz de Cristo pela lama.

Apesar da introdução anterior, não é a justeza ou não da homenagem, a razão desta minha crónica. Escrevo-a por razões estritamente pessoais e, pedindo licença a todos quantos estão a lê-la, por razões do meu foro sentimental. Agradeço-lhes por me permitirem partilhá-las com eles.

A Rosa Maria nasceu no Porto. Da sua cultura portuense, de que sempre se orgulhou apesar de ter vivido praticamente toda a sua curta vida em Lisboa, fazia parte a tradição familiar de ligação ao F.C. Porto. Respeitou-a também, ainda que sem lhe atribuir particular relevo. A Rosa Maria detestava futebol. Dizia muitas vezes que um dos sonhos da sua vida era casar com um homem que também não gostasse de futebol. Não teve essa sorte. Como não teve outras, na vida. Pelo menos, como também dizia, o azar não foi completo: casou com um belenense. Nunca discutimos por causa dos nossos Clubes. Também poucas vezes tivemos essa oprtunidade, porque embora eu falasse frequentemente do meu, ela nunca falava do dela. O futebol e a clubite não eram, pois, tema das nossas conversas. Excepto um dia por ano: o dia do Belenenses-Porto, no Restelo!

Nesse dia, quando chegava a casa, depois do jogo, a Rosa Maria fazia-me a pergunta sacramental:

― Como eram a flores que o Porto trouxe ao Belenenses?

Seguia-se a descrição pormenorizada da composição do ramo ou coroa, dos tipos e cores de flores, do arranjo. A Rosa Maria escutava-me com atenção e interesse. Depois, nem lhe interessava saber o resultado do jogo... A conversa mudava de assunto.

O ano passado, pela primeira vez em quase trinta anos de vida em comum, cheguei a casa e não pude contar como eram as flores. Eram feias, mas, certamente, não apenas por serem cor de laranja...

Este ano gostei das flores. Apesar disso, hora e meia depois saí do Restelo muito triste. Pelo que assisti durante esse período de tempo e, sobretudo, por ter ficado com a convicção de que, para o ano que vem, e sabe-se lá durante quantos anos mais, não vai haver flores junto á estátua de Pepe. E não é porque o F.C. Porto se esqueça de as trazer...

Resta-me uma consolação. Uma trégua para as lágrimas que têm teimado em não me deixar ler o que estou a escrever. Quando há pouco cheguei a casa, também não pude contar à Rosa Maria como eram as flores. Nunca mais poderei voltar a fazê-lo. Mas poderei contar a todos os que lerem este texto. Bem hajam por me permitirem voltar a responder à pergunta de sempre.

― Como eram a flores que o Porto trouxe ao Belenenses?

― Eram lindas! Uma coroa de crisântemos e rosas brancas. No canto superior esquerdo, lírios azuis e estroménias brancas.

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Saudações azuis.