segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Sport lagartos, Belém & benfica

Um tema recorrente de discussão nos meios afectos ao nosso Clube é a crescente escassez das assistências no Restelo. Tão recorrente, que qualquer dia está gasto, sem que tenhamos conseguido perceber a razão do fenómeno. É mesmo o desfecho mais provável, considerando a ancestral tendência que a alma lusíada tem a se deixar vencer pelo cansaço.

A pergunta que se tem formulado, nas mais variadas configurações, é muito simples: “por que é que os adeptos do Belenenses têm vindo a afastar-se do seu Clube?”. Muitas têm sido as tentativas de resposta, na sua maioria bem intencionadas, algumas até resultantes de reflexões sérias e fundamentos bem analisados. Pese embora a pertinência da pergunta, receio que ela tenha que ser reformulada para: “será que ainda há adeptos do Belenenses?”. E receio ainda mais que a resposta seja: “não!”.

Há uns dias atrás, na rádio, único meio de Comunicação Social de que ainda sou consumidor moderado, criados que estão fortes anticorpos para resistir aos jornais desportivos e à televisão, ouvi um daqueles programas, supostamente de índole desportiva, onde costumam aparecer uns senhores que não conseguem dizer nada mas gostam de fingir que sim. No meio desses “habitués”, para quebrar a monotonia, eis que surge alguém que se declara adepto do Belenenses, acrescentando que só tinha participado no programa para desejar as maiores felicidades ao benfica no jogo contra o Manchester...

A minha primeira reacção, como é fácil imaginar, foi mandar o cangalho da telefonia pela janela. Mas consegui controlar-me: podia cair em cima de alguém que até não fosse de clube nenhum para além de, com esse acto de belenensismo nativo, em nada ir contribuir para a remissão de tão grave delito. Seguiu-se a ebulição mental: este gajo não é capaz de largar sete Euros e meio (ou pagar a quota, se for sócio) para assistir ao próximo jogo no Restelo, mas vai desembolsar umas largas dezenas para se deleitar com a encenação da pássara no galinheiro. Mais calmo, tentei perceber o que se passava. Percebi que havia mais uma resposta à pergunta que andamos a fazer há tanto tempo. Finalmente, tentei compreender. Compreendi, ainda que dolorosamente, que há doenças de fácil contágio. Afinal o exemplo vem de cima. E vem de longe...

Quem é que quer ir ao estádio mais bonito de Lisboa - ainda por cima pago com o seu próprio dinheiro, e com a boa gestão de alguns (é certo), mas não com verbas do erário público - se não se passa lá nada? Pelo menos nada que esteja na moda. Afinal, até os actuais dirigentes do Clube proprietário desse estádio são vistos nos camarotes das novas catedrais que a simbiose arquitectónico-desportiva produziu em Portugal no século XXI, partilhando croquetes e outras intimidades com os donos da casa...

Quem quer apoiar a equipa de futebol de um Clube em que um antigo dirigente, como hobby para a sua reforma, organiza agora almocinhos com os seus compadres da segunda circular, com intuito vá-se lá saber de quê?

Estas associações são o reflexo no meio desportivo, se assim lhe poderemos chamar, do regionalismo saloio que os habitantes mais pobres (de espírito, entenda-se) das capitais usam como bandeira para mostrar aos outros que o seu quintal tem os muros mais bem pintados que os deles, mesmos que os muros sejam emprestados. Muitos portugueses adoram exibir em grande a sua pequenez. Alguns belenenses, infelizmente, também...

O que interessa é o que está a dar. Se não tivermos nada a ver com isso, faz-se por ter. O que é preciso é estar lá. Desportivamente falando, na capital, “lá” é ali para as bandas daquela estrada que sai de Lisboa, mas ainda é em Lisboa. E logo com dois colossos da modernidade, um de cada lado! Aquele que foi construído com restos de azulejos de casa de banho e o outro, onde um galináceo patético tenta desesperadamente aterrar num lado qualquer, nem que seja na cabeça de um negociante de pneus.

Com estes atractivos e os exemplos que ainda mais a eles incentivam, quem quer pertencer a um clube de pacóvios armados ao fino? Um clube de pastéis de bacalhau regado a whisky de malte oferecido, de pastéis de Belém regados a panaché...

Ainda alguns, certamente, para quem a Cruz de Cristo é o valor mais respeitável, que respeita os outros, mas não se verga a nenhum. Serão cada vez menos, talvez só aqueles que ficarão para morrer de pé. E os outros?

Os outros compraram um daqueles kits da moda, que se anunciam na televisão. Aquelas ofertas irresistíveis, que garantem todas as vantagens deste mundo e do outro... a quem se tornar sócio do “Sport lagartos, Belém & benfica”!

Saudações azuis.