domingo, 2 de outubro de 2005

Um Clube a Gasóleo

Não era isto que tinha planeado escrever para o dia de hoje.
Era suposto continuar a falar das músicas do Belém.
Mas, não consigo. É-me humanamente impossível depois do que se passou na Sexta à noite.

Vejamos as coisas com clareza: já perdi muitas vezes no Restelo e sei que voltarei a perder muitas mais. Não é esse o meu problema.
O problema foi ter visto aquilo que vi.

Nunca imaginei que uma equipa de futebol de um clube de uma primeira divisão Europeia, que, ao que consta, paga a horas e trata bem os jogadores e até as suas famílias (não sou eu que o digo. Li na imprensa declarações de jogadores inequívocas nesse sentido), de um clube estável sem os habituais enredos de salários e prémios em atraso, de um clube que se arroga ter um projecto e que fez transitar um treinador da época anterior, deixando-o preparar a época com tempo e como quis, pudesse entrar em campo da forma como entrou, pudesse jogar da forma como jogou.

Tudo o que se passou foi revoltante e é inaceitável para mim como adepto.
Sinto que o meu clube foi maltratado de uma forma gratuita pelos 14 indivíduos que naquela Sexta vestiram a sua camisola e por aqueles que têm a responsabilidade da sua liderança.
Não aceito desculpas. Exijo consequências.

Vi de tudo. Jogadores borrados de medo em campo, recusando-se a procurar a bola e dando-lhe as costas por todas as formas que conseguiam – em relação a um dos que acabou substituído, não excluo a hipótese de sofrer mesmo de ataques de pânico pela simples presença da bola e/ou do adversário -, jogadores para quem a humilhação que estava a ocorrer em nada alterava o seu ritmo de jogo, as suas atitudes em campo, a sua vontade de continuarem a jogar parados – neste particular, recordo a prestação de um certo defesa central a quem se fizeram profusos elogios nos últimos tempos -, jogadores que não conseguem um nível de concentração suficiente para receber bolas fáceis e efectuar passes fáceis – os quais, imagine-se, estavam destinados ao papel de “desequilibradores”!?!?
Vi mesmo de tudo. Não me faltou ver nada.

Tudo foi demasiado mau.
Já não falo no facto de vestirem a camisola de um clube importante no nosso futebol e que lhes proporciona condições de trabalho acima da média. Falo só da sua estrita condição como profissionais de futebol. Face a essa, a postura durante aqueles 90 minutos é puramente um ultraje à sua classe profissional, à sua condição de jogadores.
Se não posso exigir de um jogador de futebol que em escassos 90 minutos numa semana atinja o seu nível máximo de concentração, posso-lhe exigir o quê?

Fomos gozados.
Fomos gozados por um bando de “craques de pés de barro”, endeusados na comunicação social após três vitórias e que fizeram questão de mostrar toda a sua falta de carácter.
Fomos gozados por uma liderança que quer saber muito pouco de nós e que só está concentrada em gerir a sua própria imagem junto dos opinion makers do nosso futebol.

Mais grave do que isso, é que o sintomas vinham de trás. Nalguns casos, já da época passada.

Mas ainda mais grave é a atitude de quem os lidera.

Na entrevista rápida após o jogo, o seu líder, mestre na gestão da sua imagem, opinador avalizado sobre aspectos do futebol em geral, incluindo o preço dos bilhetes, e angariador de tarjas elogiosas (às vezes nem sempre) pelo país fora (com excepção do Restelo, apesar dos aplausos que lhe direigem), disse uma frase que dá que pensar: “algumas unidades importantes, que normalmente pautam o jogo, entraram a gasóleo”.
Isto diz muito sobre a génese do problema.
Que raio de líder é este que placidamente declara no rescaldo de um jogo que as unidades que comanda “entraram a gasóleo”.
Então, e a vergonha na cara? Não existe?

Pergunto:
Além dos aspectos tácticos e estratégicos, à cabeça do trabalho de um treinador não vem a tarefa de fazer com que os “seus” jogadores não entrem em campo “a gasóleo”?
No futebol actual, altamente competitivo, não deve ser essa a primeira preocupação, falhada a qual, uma equipa entra destinada a perder humilhantemente?
Se uma liderança não evita isso, evita o quê?

É, de facto, extraordinária a forma como a liderança deste clube vê as coisas. Para ela, a entrada “a gasóleo” de certas unidades, aparece como um facto “externo”, um facto “do destino”, um facto fora do seu controlo, um facto que ela se limita a achar “estranho” e a dizer que “terá de tentar perceber”.

Pior ainda do que isso. Certamente, algumas daquelas “unidades” correspondem a jogadores “talismã” desta liderança. Correspondem a jogadores que ela, a liderança, foi buscar e que têm com ela uma relação de confiança que extravasa o clube.
É incrível como é que certas lideranças podem ter tanto apreço pessoal por indivíduos que, afinal, entram a gasóleo.
Que pândega!
Mais que raio de gente é esta!

Se, em vez de ser Carvalhal a dizer: “as nossas unidades entraram a gasóleo”, for eu a dizer: “as unidades de Carvalhal entram a gasóleo”, não estarei eu desta forma a definir um treinador?

Mas, atenção, não quero fulanizar o problema em Carvalhal. Por isso, durante este texto utilizei a expressão “liderança”. Quis com isso dizer o óbvio. É culpado Carvalhal, mas é ainda mais culpado quem o conhece e quem tolera que a sua mentalidade lidere tecnicamente esta equipa.

Não. A culpa não é da “bancada vazia” (pode ser de um “clube vazio”, mas isso é outra história).
Durante esta semana e a que antecedeu, apareceram os craques a pedirem mais público.
Mais público?! Mais público para quê?!?! Para ver aquela vergonha?!?! Para perdermos ainda mais adeptos?!?!
Por amor de Deus, tenham vergonha na cara!

Para terminar, apenas quero acrescentar que, com a mesma certeza com que afirmo a necessidade de consequências, sei que elas não vão existir.
Conheço bem o Belenenses actual.
Sei que esse Belenenses não se revê no que está aqui escrito.
Sei que este tipo de palavras não encaixa no perfil dos nossos líderes.
Carvalhal, sim, o que explica muita coisa.

Já disse que se certas coisas se fizessem neste clube, muita gente morreria de susto.
Carvalhal é a garantia de que não morrem. Podem morrer de uma outra forma, mas não de susto, e isso é que é preciso evitar.

Sobre se males maiores se poderão esperar, aceitemos que o risco existe, mas que pode ser que não.
Repare-se que nada nos garante que, aqui e ali, as “unidades” não voltem a entrar “a gasolina”. Como são elas que decidem, é possível que nos brindem com uns brilharetes de vez em quando.
Tenho quase a certeza que isso irá acontecer vezes suficientes para que não tenhamos sobressaltos. Nessas alturas, a liderança poderá respirar novamente e voltar a erguer as mãos para o céu louvando o estilo Carvalhal e a paz que isso lhe dá.
Por isso,
Durmam em paz, meus anjinhos.

CPA