segunda-feira, 24 de outubro de 2005

José Manuel Soares, o «Pepe»

BelenensesSempre convida: Vitor Gomes

A fim de assinalarmos condignamente a passagem dos 74 anos sobre a morte de José Manuel Soares «Pepe», uma figura inultrapassável do Belenenses e do futebol português, decidimos convidar alguém, que nos é próximo, e que sente este tema como muito seu, para escrever sobre esta data e o que significa para ele.

Vitor Gomes nasceu na Rua do Cruzeiro, Freguesia da Ajuda, em 1940. Cresceu, brincou, conviveu com a lenda, através dos seus contemporâneos, admiradores, vizinhos, amigos.

O mistério em que se envolve a morte de Pepe será talvez uma das razões pelas quais sempre teve um extraordinário interesse por esta figura mítica.

Por tudo isto, damos a palavra a Vitor Gomes. In Memoriam.



José Manuel Soares, o «Pepe»

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No dia 24 de Outubro de 1931 às 10 horas e 30 minutos da manhã, morria, com apenas 23 anos, uma das maiores figuras do futebol em Portugal: José Manuel Soares, o «Pepe».

Todos os belenenses sabem quem ele foi, mas para os que o desconhecem, e eu sei que os há, é aquele que figura no baixo-relevo de Leopoldo de Almeida à entrada do Estádio do Restelo, para onde transitou depois da agonia do estádio que tinha o seu nome, nas Salésias.

Desde miúdo que o mito de Pepe me fascina. Vinte anos depois da sua morte, os “putos” da minha escola ainda falavam dele como se fala de um herói.
Quando ia com minha mãe à campa de minha avó, ia sempre espreitar o gavetão onde ele estava sepultado. Para lá da porta de vidro, a fotografia dum rapazito sorridente. Do lado de fora, sempre flores.

A história de Pepe está muito bem documentada no excelente livro de Marina Tavares Dias, “História do Futebol em Lisboa” e que representa uma comovente homenagem a um homem que em pouco tempo de vida tanto fez pelo futebol português e, sobretudo pelo seu Belenenses.


A sua vida, num breve resumo...

A 30 de Janeiro de 1908 nasceu Pepe e com pouco mais de 15 anos foi inscrito no Campeonato de Lisboa de 1924-25, tendo a sua estreia oficial na 1ª categoria em Fevereiro de 1926. Ficou fazendo parte da epopeia essa estreia, no campo do Benfica nas Amoreiras, quando a 15 minutos do fim o Belenenses a perder por 4-1 deu a volta ao resultado, vindo a ganhar por 5-4 com o último golo apontado de penalty por Pepe.

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Ainda em 1926 estreou-se na selecção nacional, logo marcando dois dos quatro golos da vitória contra a França.
Desde então, sempre teve lugar assegurado nas selecções da cidade e do país.

Segundo a imprensa da época, Pepe, no início da sua carreira, era demasiado exuberante e duro.
Mas pouco tempo depois transformou-se num jogador sereno e comedido mas extremamente enérgico.
A sua vida desportiva foi um exemplo de fé e dedicação clubista.

Este jovem, nascido e crescido em Belém, baixo, magrito mas cheio de genica, teria um fim de tragédia, nunca devidamente esclarecido, finalizando uma carreira então já grandiosa, dando início a uma lenda que nos chega até hoje.

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Nos cinco anos de ouro do Belenenses, de 1926 a 1931, Pepe tinha participado em 140 jogos.
Sempre com a Cruz de Cristo ao peito, nunca conheceu outro clube e, ao contrário do que afirmou certo néscio aqui há tempos, nem por sombras passou pelo F.C. do Porto.
A homenagem que este clube lhe presta junto à sua estátua sempre que vem a Belém, e que me conste é o único, tem origens no puro desportivismo que reinava. Factor que sempre me comoveu.

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Na capa do “Notícias Ilustrado” de 1 de Novembro de 1931, inteiramente dedicada a Pepe, esta frase:
Morreu Pepe! Honremos a sua memória dignificando o “football”!...

Se Pepe tivesse nascido nesta época em que agora vivemos, para além de há muito já não ser jogador do Belenenses, era certamente um pequeno rei no mundo do futebol, não vestiria um modesto fato de ganga para ir trabalhar num torno mecânico das oficinas da Aviação Naval em Belém.

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Nem, certamente, se alimentaria, como a família, de forma precária e, especialmente, não teria de levar para o almoço, numa simples carcaça, o resto do jantar que, tudo indica, lhe foi fatal.

Pepe faleceu no Hospital da Marinha, depois de ali ter dado entrada com violentas dores abdominais, hemorragias e colapsos.

Os jornais e revistas da época, muita tinta consumiram acerca das causas da sua morte. O envenenamento foi a causa mais provável, ainda que relatórios médicos tenham afirmado que ele padecia de mau funcionamento do estômago e intestinos, o que o fazia andar nessa altura com aftas na língua e nos lábios.
No entanto algo de mau esteve na modesta refeição da véspera, porquanto a mãe e os irmãos também se sentiram mal e foram hospitalizados ainda que sem muita gravidade.

Segundo aqueles relatórios, o estado debilitado do jogador poderia ter agravado a sua situação clínica, piorando a provável intoxicação alimentar a ponto de o matar.

O luto e a consternação tomaram conta de Belém, de Lisboa e do País. Pepe era um ídolo a nível nacional, porque nunca deixou de ser chamado à selecção desde que para lá foi convocado em 1926.

O seu funeral, para o cemitério da Ajuda, foi acompanhado por um mar de gente como nunca se tinha visto naquela parte da cidade.

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Pela injustiça duma morte em tão tenra idade, pelas circunstâncias controversas que a rodearam, pelo fulgor da sua entrada na vida desportiva da época e que tão pouco tempo durou, é natural que Pepe seja para muitos considerado a maior lenda do futebol português.

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E, tal como em Novembro de 1931 e, desde então, para sempre:

Honremos a memória de José Manuel Soares, o nosso Pepe, dignificando o futebol...
...especialmente nós Belenenses.