quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Explorar a Formação

Este é para mim um dos mais importantes momentos da história recente do Belenenses.
Não por ser um momento, infelizmente frequente na nossa história, em que é necessário resgatar o Clube do buraco financeiro em que sucessivas gestões, digamos eufemisticamente descuidadas, se tenham revelado incapazes e o tenham afundado em termos financeiros. Antes pelo contrário.
Mas estamos longe da auto-suficiência financeira futura, olhando para a desertificação do Estádio e para a reduzida participação dos sócios e adeptos nos restantes eventos desportivos (ou não) em que o Clube participa, com as consequências que se antecipam ao nível da receita. O próprio projcto imobiliário está actualmente envolto num nevoeiro de dúvidas

A exploração sistemática de formas alternativas de gerar receita são sempre bem-vindas.
Restrinjo a presente análise a uma das mais desaproveitadas fontes de receita e potencial fonte de poupança de despesa no futebol profissional – A Exploração da Formação no Futebol.

O Futebol é, apesar de tudo o que de menos bom aconteceu no passado recente, a mais visível emblemática e imprescindível modalidade, apesar de tantas e tantas alegrias que outras modalidades desportivas nos tenham dado e continuem a dar. Vejo o Belenenses como um todo, mas o principal é o futebol. Não exclusivo, “apenas” principal.

Antecipando as respostas do tipo: “Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo”, com as quais aliás concordo dado o estado estrutural do Clube, direi que concordo por princípio. Até porque um bom projecto não implica necessariamente que todas as tarefas comecem simultaneamente. Um bom planeamento tem obrigatoriamente em conta a disponibilidade de recursos e a oportunidade. Simples senso comum. Até porque num período de extrema contenção como este em que vivemos nos últimos anos há que estabelecer prioridades. Entendo isso. Mas não investir é definhar, é morrer. Ajuda a este raciocínio o facto de a Formação encontrar-se hoje integrada na SAD.

Este não é uma questão ou problema novo nem será uma solução inovadora. Outros já o fizeram. E com sucesso.


Prioridade: Sobrevivência. Já está. E agora?

Três cenários se perfilam:
1 - Voltamos a descurar essa vertente de sustentabilidade e de viver de acordo com as nossas posses reais, voltando a gastar o que não temos e endividando-nos? Sem que aumentemos a competitividade e capacidade de gerar receitas? (Claro que não!)

2 - Entramos na demagógica terraplanagem teórica e nulidade prática da linha do “a culpa é das amadoras” (e vamos lá a ver o que se entende como “amadoras” porque reconheço a necessidade de se reflectir e discutir o assunto)? (Oxalá que não!)

3 - Entramos numa linha em que se mantém enfunada a bandeira da estabilidade financeira e escrupuloso cumprimento de regras de rigor pré-estabelecidas, ao mesmo tempo que se mobiliza todos os meios humanos possíveis para, de uma forma organizada, continuada e sistemática, atingir um novo patamar de geração de receitas, que seja por obtenção de patrocínios, retorno de imagem, racionalização da utilização de espaços? (Oxalá que sim, investindo)

É aqui que se perfila a que para mim é a questão essencial:

O que pretendemos do nosso futebol?

Olhando para o futebol em geral, e o Português em particular, é óbvio para todos que somos um país pequeno, mas com grande capacidade (à escala) para “fabricar talentos” de razoável qualidade, ao nível do jogador médio, a que faltará apenas uma certa dose de estabilidade emocional e responsabilidade, ou mesmo de ética profissional. E, mesmo assim, de vez em quando saem uns quantos fora-de-série na fornada. É uma questão cultural, mas mesmo as mentalidades menos preparadas são passiveis de modelagem.
É exactamente ao nível do jogador médio e do seu percurso desde os escalões de formação que, quer pela falta de acompanhamento quer pela falta de estrutura moral e ética, perdemos uma grande parte dos potenciais valores até aqui criados. Inclusive será por este último ponto que se perdem os melhores valores – potenciais jogadores de topo, talentosos por natureza.
Porquê? Para mim por diversas razões, entre as quais o “bom” velho espírito português do desenrasca esperteza saloia e deixa andar e a falta de educação e acompanhamento ao nível comportamental. Outros factores existirão mas estes parecem-me os essenciais.
Aqui o Belenenses não será excepção. Todos conhecemos os rumores correntes sobre este e aquele jogador, que sistematicamente chega atrasado ao treino e mesmo assim passa-o na “ronha” e assim passa ao lado de uma carreira razoável. Todos conhecemos casos de jogadores que tínhamos como talentosos e aparentemente de futuro e que após (ou não) anos no banco (ou nem isso) não evoluiram no momento certo e acabaram por sair. Alguns para nunca serem profissionais. Não me custa nada a acreditar que assim seja, em alguns (ou mesmo em muitos) casos. Mas devemos olhar para as causas também e não tentar simplesmente viver com as consequências. Recuso-me a acreditar que uma política consistente e consequente não possa ‘salvar’ uns quantos destes que, ano após ano, perdemos ou nem chegamos a “criar”.
Haverá certamente casos em que por melhor e mais adequado aconselhamento e acompanhamento que lhes seja prestado, a falta de alicerces educacionais, em casa, na escola, etc., é determinante e pode impedir uma ‘recuperação’ consistente e eficaz.
Apesar destas questões ao nível social volto a insistir num ponto que a mim me parece essencial no tal edifício da nossa sustentabilidade, enquanto Clube, mas com os olhos postos na evolução e ressurgimento do Belenenses enquanto entidade desportiva competitiva e não como baluarte caricato do olimpismo bacôco, sem objectivos competitivos, em que parecemos mergulhados nos últimos anos, até há pouco tempo, em especial no futebol:


A formação de jogadores. E a prospecção profissionalizada de talentos.

Muitos não se recordarão (eu próprio incluído, mesmo antes do meu tempo “consciente”) esta sempre foi, de há 30 anos a esta parte, no Belenenses, uma questão recorrente. Praticamente sempre, em momentos de crise, houve quem aventasse e implementasse (com melhores ou piores resultados) esta como a solução para evitar avultados investimentos para os quais não tínhamos (não temos e dificilmente alguma vez teremos) condições de pagar. “Outros” também não as terão e a verdade é que isso não os impede de o fazer, endividando-se para lá do limite do insano (a anos-luz do razoável). Além do que não gozamos da mesma protecção e conluio global de que gozam os “3 Únicos”. Não me queria dispersar...

Na falta de verbas suficientes para manter uma capacidade competitiva ao nível dos rivais de sempre (que desde sempre gozaram de maior suporte associativo e de outros tipos de artifícios), o “fabrico” caseiro e a eficaz prospecção deveriam ser meios privilegiados de fornecimento de talentos. Assumidamente. Aliás a preparação desta época é o mais cabal exemplo que temos dos benefícios da boa e atempada prospecção.

Voltando um pouco atrás... como é óbvio historicamente observamos a existência de ciclos. Assim que determinada fase de saneamento terminava logo se voltava às práticas irresponsáveis. É importante conhecer a nossa história por isso mesmo. Muitos erros estão lá. E muitas soluções também. A razão é simples, sempre que alguém (habitualmente constituída uma Junta Directiva) era forçado a pegar nas rédeas do Clube após período de total descontrolo despesista, chegando a ter estatutos suspensos, pegava nesta bandeira até atingir um patamar de alguma estabilidade financeira, como forma de fazer face aos prejuízos constantes de direcções anteriores . Foi assim e neste espírito de absoluta necessidade de cortar despesas que, por exemplo de racionalização, se extinguiram pela Junta Directiva de 1967 a 1969, os escalões de reservas. A alternativa era então fechar a porta. Pura e simplesmente acabar.
Sempre, ou quase sempre, as direcções que lhe sucediam deixavam cair esta bandeira. Infelizmente, dá muito mais trabalho fazer bem do que comprar sofrível já feito. Os resultados estão à vista, nos ciclos económicos que patenteámos. Os últimos 20 anos e o (des)critério (total) na aquisição de jogadores (tirando períodos bem identificados) neste período é disso um bom exemplo. Memórias curtas ter-se-ão já esquecido de Janeiro de 2004. Eu não.

Esta ideia, da aposta séria na formação, nunca vingou. Nunca tomou forma que proporcionasse os resultados visíveis e consistentes ao longo de um tempo razoável. Nunca foi possível apelidar o Belenenses como escola de jogadores, menos ainda como referência neste campo.
E assim continuamos até hoje. Com dezenas de jogadores, desperdiçados, desaproveitados, desmotivados e sem capacidade competitiva para a alta competição. Alguns nunca chegaram sequer ao futebol sénior. E sinceramente não vejo, neste campo específico, a luz ao fundo do túnel, apesar de reconhecer alguma mudança na organização, o produto parece ainda não a ter acompanhado.
Alguns dirão que muitos desses jogadores não vingaram por não terem suficiente valor e capacidades. Pois claro. Não se esqueçam é que muitas dessas capacidades, as que não são inatas, se ensinam e potenciam. Obviamente que não poderemos aproveitar todos os jogadores que passam nos vários escalões de formação. Obviamente que nem todos possuem as necessárias capacidades técnicas, físicas e mesmo de desenvolvimento moral. Não duvido.
Mas como se calhar sou um pouco mais observador e naturalmente duvido de “verdades” feitas, que muitas vezes resultam de mentiras repetidas até um ponto de exaustão em que se tornam factos e “verdades”, acredito que é uma questão de organização e método. De falta de acompanhamento e de assumpção, pelo Clube, de grande parte da formação dos jovens enquanto homens. Aqui devo abrir um parêntesis para repetir que me parece que alguma coisa parece querer mudar positivamente embora admita que carece de confirmação.
Para mim, outra das causas é também a ideia (que vai ficando enraizada) de que no Clube não vão a lado nenhum, acabando por prevalecer a ideia de que se fossem mesmo bons estavam era a treinar num dos “3 únicos”. Este é um conceito a abater, por ser tão errado quanto tristemente enraizado até nas próprias mentes de adeptos, sócios e até dirigentes Belenenses. O clube tem de assumir a sua formação técnica, táctica, física, acompanhamento da formação escolar, moral, etc.. Ou seja, moldando o seu espírito em campo, a sua postura e atitude perante o jogo e também perante a vida. Desde o início da formação e o quanto antes.

Na minha opinião não temos tido formação. Temos tido equipas que competem em escalões etários inferiores...

Ou seja, não temos tido uma política de formação. Precisamos de facto de melhores condições para treino. E é preciso fazer uma aposta séria nesta área. Sei que há trabalho a ser feito já neste sentido, mas temo que se não cuidarmos e insistirmos cairemos de volta no ponto de partida.

Parece-me importante mencionar que não preconizo orientar os escalões de formação apenas e só para a obtenção de títulos nesses escalões. Pelo contrário, prefiro que a formação esteja orientada para o desenvolvimento de jogadores profissionais de primeira linha, o que nem sempre se coaduna com a conquista dos referidos títulos, embora não me pareça que sejam absolutamente incompatíveis. É obviamente importante que a vontade de vencer e conquistar títulos seja incutida desde cedo nos jovens jogadores, mas também é necessário (como parte da sua formação, até moral) mostrar-lhes que pode haver outras prioridades – crescimento sustentado.
O que defendo é que a procura de títulos pelos títulos pode desvirtuar a que deveria ser a principal razão da aposta na formação – a produção de valores úteis ao plantel sénior. Orientada apenas para a conquista de títulos nesses escalões etários, a formação é fonte de prejuízo certo. Não há receitas nem produto. Só despesas.

Assistimos nos últimos anos, ao aparecimento de alguns valores na nossa formação que, sem serem génios na arte, lhes viram ser reconhecido algum valor chegando a integrar o plantel principal. Mas também assistimos frequentemente ao seu desperdício quase absoluto ao revelarmos incapacidade e inépcia na sua colocação noutros clubes para continuar a evoluir, por não possuirmos estabilidade competitiva que permita o lançamento de 2 ou 3 jogadores por ano que possamos utilizar frequentemente. E já todos conhecemos o bom velho estilo Belenense de nos despedirmos destes jogadores... No entanto, constatamos mais um sinal positivo na colocação de Gonçalo Brandão em Inglaterra, de Eliseu na Liga de Honra numa equipa que luta pela subida ao principal campeonato português e de Jorge Tavares na 2ª Divisão Nacional. São bons sinais.

Recorrentemente jogadores que chegaram por via da idade aos treinos com a equipa principal, apodreceram no banco ou na bancada. Frequentemente para darem lugar a outros, brasileiros em especial (nada contra), autênticos pernas de pau, que em nada foram superiores ao potencial e acção dos nossos que saíam. Certamente todos teremos presentes alguns exemplos.
Para mim este desperdício deve-se também a critérios de contratação sénior, completamente desajustada (como se verificou o impacto nos resultados desportivos da elevada rotatividade de elementos na equipa principal) e que privilegia a aquisição de valores estrangeiros que, regra geral, apresentam sofrível qualidade e rendimento ou estão em fase adiantada de “decomposição” competitiva.

Há, nesta matéria, muito mais a fazer do que dizer que se aposta forte na formação. De facto o logro é eficaz. Olhando para o plantel época passada, tínhamos aparentemente 9 jogadores formados no clube, de um total de 28. No entanto, desses, quantos forma regularmente convocados ou participaram no banco ou na equipa titular com regularidade?
Eu sei que dirão que muito já está a ser feito. Mas eu refiro-me à consequência dos actos não às intenções ou aos começos auspiciosos como o de Rolando no início da época passada e nesta.
E esta época, desses 9 - quantos sobreviveram? Fora os que entretanto atingiram a idade sénior e foram forçados a sair sem ter nenhuma chance de se mostrar, temos Pedro Alves, Rolando e Ruben Amorim. Ou seja: 3. Os restantes: Neca (o paradigma), Fábio Monteiro, Rafael, Gonçalo Brandão, Jorge Tavares e Eliseu (6), saíram sendo que os últimos 3 se encontram emprestados mas com poucas possibilidades de regresso, temo. No início desta época acrescenta-se a esta lista Carlos Alves, mas que por ter idade de Júnior de primeira época (apenas 17 anos) treina e joga habitualmente nesse escalão bem como o recém-chegado Marco Pinto (o 3º Guarda-Redes do plantel profissional).

Para terminar, e para que fique claro, não defendo que a formação deva constituir, à força, a totalidade dos jogadores da equipa profissional. Longe disso, até porque há outros que têm capacidade para produzir e formar jogadores tão bem ou melhor que nós.
A prospecção inteligente em todos os escalões deve, quanto a mim, complementar as necessidades específicas do sector sénior. Complementar um plantel assente de modo sólido na prospecção e na formação e contratar criteriosamente um ou dois valores seguros e de qualidade reconhecida que constituam os pilares da equipa. Se já estamos a ir por esse caminho de forma sistemática e sustentada (na prospecção assim parece), se bem que ainda seja cedo para ver resultados, ainda bem. E dentro em pouco se poderão notar os resultados de forma consistente.

O que não podemos é continuar a desperdiçar alguns bons valores (dos poucos) que vamos formando, não lhes dando depois o espaço para crescer e evoluir quando atingem a idade sénior, deixando-os a definhar por aí. E se é verdade que alguns não têm de facto condições físicas, técnicas, comportamentais e mesmo morais, outros tinham e foram devorados pelo sistema.
Mas aqui surge um dos que julgo ser e sempre ter sido um dos principais problemas: é que o futebol, e o português em particular, depende demasiado de empresários e outros mais interessados no seu lucro pessoal imediatista e no seu mediatismo. E os clubes cedem à miragem e a esses interesses, desleixando o que produzem para promoverem a imagem e o ‘produto’ dos outros (emprestados).

Discutamos centros de estágios, apoios para a sua construção, estabelecimento de protocolos com clubes próximos que suportem alguns dos nossos escalões intermédios competindo e treinando com os nossos jogadores, parece-me essencial, mas é necessário desde já assegurar mais qualidade competitiva nas equipas que temos.
Em termos da formação, já estaremos a trabalhar nesse sentido, segundo creio, mas estamos ainda a anos-luz daquilo que precisamos e que poderia, se bem implementado e explorado consistentemente, ser importante e essencial fonte de receita e de poupança de custos a médio prazo.