segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Neste dia, em . . .

1908 – Nasce José Manuel Soares, o Pepe


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Por Vitor Gomes

Neste dia em Janeiro de 1908 nasceu José Manuel Soares, um Homem que desapareceu desta vida ainda menino.
A época em que nasceu e cresceu para a adolescência, não foi a melhor para o povo do país e em especial para o povo pobre de Lisboa.

Dois dias a seguir ao seu nascimento, em 1 de Fevereiro mataram o rei e o seu primogénito. O País, já então em convulsão política e social, nunca mais teve descanso. Dois anos depois foi implantada a República mas as agruras do povo, especialmente o das classes menos favorecidas, continuaram nos anos seguintes numa agonia que juntou instabilidade política, Grande Guerra, carências de toda a ordem e muita miséria nas classes pobres.

Foi neste clima que cresceu o José Manuel, infância difícil e adolescência precária.
Esta situação adversa do povo, foi-me relatada por alguém que nasceu no mesmo ano, cujo nome nunca veio nos jornais, mas que foi o vulto mais importante na minha história: o meu Pai.

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Quando o Belenenses foi fundado, tinha José Manuel Soares pouco mais de 11 anos. O sobrenome Pepe, que ficaria como “nome de guerra”, foi-lhe atribuído porventura por influência do uso no país vizinho de alcunhas benévolas: José Manuel é Pepe, Francisco é Paco, etc..

Os rapazes daquela época não tinham muita diversão por onde escolher. A maioria dedicava-se a dar pontapés em bolas de trapos porque o pecúlio não dava para outros luxos. Assim o jovem Pepe encontrou na sua habilidade nata a vocação para o futebol. Culminando esse jeito e classe para o pontapé na bola, alcançou o sonho de todos os rapazes do bairro.

Com pouco mais de 15 anos foi inscrito no Campeonato de Lisboa. E essa estreia foi no clube de que todos os rapazes da sua idade e daquela parte da cidade sonhavam fazer parte: o Clube de Futebol “Os Belenenses”.

Um ano depois, iniciou a sua curta mas brilhante carreira na 1ª categoria, no jogo das Amoreiras com o Benfica, jogo que ficaria célebre pela vibrante reviravolta dos 4-1 que se transformaram em 4-5, com o último golo o da vitória a ser feito pelo miúdo Pepe.

A glória que durante cinco anos afagou aquele rapaz fora de série, ironicamente, nunca o tirou da pobreza em que nasceu e foi nela que morreu.
Belém delirava com os seus feitos, sentia muito orgulho e vaidade por ele e em quase todas as montras se exibia a sua fotografia recortada dos jornais.

A família de Pepe era pobre mas unida. O pai era vendedor ambulante de hortaliça e a mãe trabalhava no mercado de Belém vendendo fruta. Dos quatro irmãos de Pepe apenas um trabalhava. Compreende-se as dificuldades por que passava esta família, moradora numa minúscula casa da rua do Embaixador.

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José Manuel muito cedo começou a trabalhar numa oficina de torneiro. Mais tarde, já jogador passou a ser operário no Centro de Aviação Naval nas docas do Bom Sucesso.
Era ele que muito ajudava a subsistência da família, pelo seu emprego e por algum dinheirito recebido do Belenenses (ás escondidas, por causa do estatuto do amadorismo).

No final da sua curta vida, Pepe andava a preparar-se para fazer exame para sargento-artífice à semelhança dos seus colegas César e Augusto Silva.

Ribeiro dos Reis, confirmando a opinião de outro notável jornalista, Ricardo Ornelas, afirmaria após a morte do jogador:
…a última refeição de Pepe, um homem de trabalho, um jogador de futebol que disputava os grandes jogos. É assim o regímen alimentar dos nossos atletas!
Aos detractores do futebol, aos que exagerando só vêm, profissionatos, febre de lucros, ociosidade e tendência para a dissipação, apontamos como argumento irrefutável a ironia macabra da última refeição do pobre Pepe. Pão com chouriço do caldo da véspera.
E tratava-se do primeiro jogador do seu clube, talvez mesmo do primeiro jogador português!”


Como mudaram as coisas. Os jogadores de hoje, no nosso clube que ganham, e recebem, num mês aquilo que proporcionalmente, Pepe e toda a sua família não ganharam durante a vida dele, deveriam meditar, se disso fossem capazes, a felicidade que têm por ter nascido nesta época de profissionalismo e envergonhar-se da sua inércia, quando comparados com homens que respeitavam acima de tudo a camisola que vestiam e tudo faziam para a honrar.

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Pepe tinha o instinto do golo, aliado a uma energia e vivacidade que o distinguia de qualquer atacante. Concebia e executava as suas jogadas com rapidez e objectividade e tinha um remate pronto e poderoso.

Era o responsável máximo pelas vitórias do seu Belenenses e de muitos triunfos da Selecção Nacional.

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Já aqui foram focados os golos de Pepe, mas nunca é demais salientar aquele conjunto de 10 golos por ele marcados num só jogo, com o Bom Sucesso, clube há muito desaparecido mas que não era “pêra doce” como se poderia pensar.

Num Campeonato de Portugal estabeleceria um record de 36 golos na mesma época. E é bom não esquecer que, nessa altura, esse campeonato, de moldes diferentes, tinha menos confrontos que actualmente.

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No plano internacional, Pepe tornou-se num ídolo de todo o país. Foi levado em triunfo, foi respeitado por colegas e adversários e, sobretudo adorado por multidões que por ele choraram quando morreu de forma tão trágica e inexplicável.

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Foi esse respeito e admiração dos desportistas portugueses que em sentida homenagem, em Setembro de 1932, ofereceram gravada na pedra do monumento, a gratidão e a saudade que Pepe deixou no coração de todos, mesmo naqueles que nunca o tinham visto jogar.

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Do agonizante estádio a que foi dado o seu nome nas Salésias e que foi durante anos o melhor estádio do país, foi transferido para o local que todos conhecemos no Restelo.

Nós Belenenses, deveremos sempre adorar aquele baixo-relevo pelo que representa, por quem representa e mesmo que seja no nosso íntimo, deixar correr uma lágrima de veneração, cada vez que o contemplamos.


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Pepe na Selecção Nacional
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N.A.: Quase todas as fotos deste artigo e do de 24 de Outubro, foram obtidas no extinto “O Notícias Ilustrado” anos de 1930, 31 e 32, facultados por familiares amigos a quem pública e reconhecidamente agradeço.