quinta-feira, 6 de outubro de 2005

O Futebol Português e a Televisão

Este é um assunto que eu já tenho abordado por várias vezes, e que não gera consenso, nem na blogosfera azul, nem no público do futebol em geral. Recentemente foi objecto de discussão no futebol português, através das opiniões do treinador do F.C.Porto e da resposta dada pelo nosso treinador, Carlos Carvalhal.

Do meu ponto de vista, como a maioria de vocês já conhece, Carvalhal pôs, e muito bem, o dedo na ferida. Estão a tirar o futebol, ao vivo, ao povo. Estão a tirá-lo pelo preço, exorbitante, dos bilhetes, e não só. Estão a tirá-lo também ao transmitir na Televisão 5 jogos, em 9, por jornada. Um deles em sinal aberto, este ano na TVI, e 4 outros na SportTv, que tem um custo mensal de 20,23 €. Em 4 fins-de-semana de um mês, a SportTv transmite 16 jogos, o que “dá” a média de 1,26 € por jogo. E falamos só do nosso Campeonato, e só dos jogos transmitidos em sinal codificado. Se lhes adicionarmos os jogos de outros campeonatos, competições europeias e transmitidos na TVI, o preço médio desce para valores muito menores.

Ora, com uma oferta destas a nível de Televisão, que pode nem ser própria, muitas vezes basta ir ao café ao lado, como se seduz adeptos para irem pagar bilhetes para um jogo só, a preços incrivelmente superiores? Basta ver como exemplo o Sporting-Belenenses da 1ª jornada. O bilhete mais barato para não-sócios custava, no dia do jogo, 25 €!!!

Mas, em minha opinião, estão a tirá-lo ainda mais, ao marcar jogos arbitrariamente, entre Sexta-feira e Segunda, muitas vezes a horas impróprias para quem trabalha e para quem quer deslocar-se a outras cidades e outros estádios em apoio da sua equipa. E é aqui que reside aquilo que começa a ser o maior problema do futebol português a nível de assistências.

Tirou-se ao povo aquilo que era a sua festa semanal, Domingo à tarde no caso português e de muitos outros, Sábado à tarde no caso inglês. Futebol sempre foi a festa do povo, que após uma semana de trabalho, tinha ao Domingo a oportunidade de ir alegremente, e muitas vezes com a família, ver o seu clube jogar no seu Estádio. Ou então, ir ao Domingo passear com a família e ver o seu clube jogar fora. Claro que com jogos à Sexta à noite, ou à Segunda ao fim da tarde, tudo isto deixou de ser possível. Hoje em dia o que se vê, e o que se ouve, é, “o jogo é às 19h de Segunda? Não faz mal, se não tiver tempo de ir ao Restelo ainda vejo a 2ª parte em casa na TV”.

Será que a ideia não é mesmo essa? Colocar os jogos a dias e horas impróprios, de propósito, de modo a esvaziar os Estádios e desta forma tornar os clubes tão vulneráveis, que nas renegociações dos contratos os Clubes aceitem quaisquer valores, mesmo reduções significativas, porque se colocaram numa posição de insustentável dependência? E será por acaso que esse operador televisivo é accionista, muitas vezes com percentagens elevadas, no capital das SADs de muitos desses Clubes? E às vezes nem às AGs vai, quando se discute o Relatório e Contas dessas Sociedades...

A isto chamar-se-ia abuso de posição dominante!


Veja-se o élan criado com as 3 vitórias consecutivas do Belenenses, 4 autocarros cheios para ir ao Porto, mais outras tantas pessoas a deslocarem-se por meios próprios. A continuação? Jogo em casa com o Estrela a uma Sexta-feira às 21h30 e deslocação à Figueira da Foz a um Domingo às 21h15. Quantos se poderão dar ao luxo de se deslocar a um Domingo à noite, se for num Autocarro do Clube chegará a casa entre as 3 e as 4 da manhã, tendo de trabalhar na manhã seguinte? Eu por exemplo, como muitos outros, como posso levar a minha filha de 3 anos ao futebol a uma Segunda ou Sexta à noite, como o meu pai fazia comigo aos Domingos às 15h?

Em Inglaterra criou-se uma comissão, denominada Comissão Independente de Futebol, sim, em Inglaterra, apesar de ter sido o país onde o futebol “nasceu”, continua a estudar-se o futebol, que poucos dias depois de ter começado a trabalhar chegou à conclusão que, mais do que os preços dos bilhetes, que também é um factor muito importante, são os horários “esquisitos”, como eles lhes chamam, dos jogos, que mais estão a afastar as pessoas dos Estádios.

Quem quiser poderá ler esta notícia na íntegra, publicada no site “Guardian Unlimited Football” (Estudo do Futebol Inglês).

Em Portugal assobia-se para o lado. Para muitos, enquanto vier o dinheiro da TV, que venha, pois faz muita falta. Só que esse é cada vez menor, como muito bem fez questão de salientar o Presidente da SAD do Belenenses, durante a apresentação do Relatório e Contas 2004/2005. E à medida que esse dinheiro vai escasseando, os espectadores vão rareando, e sabe-se bem como será difícil voltar a seduzir as assistências perdidas.

Voltemos entretanto à teoria dos que defendem incondicionalmente as transmissões televisivas e o dinheiro que estas trazem. Segundo o Relatório da nossa SAD do ano passado, a receita do item TV foi 1.425.000 €, enquanto que os gastos totais foram 6.508.363 €. Ou seja, 22% do total do Orçamento. Será assim tanto que não possamos inventar novas receitas, de Merchandising, por exemplo, a um Domingo à tarde, ou um aumento real e efectivo das assistências?

Mas façamos as contas de outra forma, 1.425.000 € representam, a 15 € cada bilhetes, conforme custam agora no Restelo para a Lateral Superior (bilhete de valor intermédio), excepto com os 3 “únicos”, 95.000 bilhetes. O que a dividir por 17 jornadas em casa, dá cerca de 5.600 bilhetes por jogo. Se pensarmos que há poucos anos atrás, como o Eduardo Torres tão bem nos “farta” de demonstrar, tínhamos assistências a rondar os 40.000 espectadores...

Dir-me-ão, e com razão, que as contas não são assim tão simples. É verdade, temos que reconhecer que as receitas publicitárias sobem quando o jogo é transmitido na TV, logo com mais público alvo a atingir. Mas também não nos esqueçamos que no dinheiro recebido da Televisão estão incluídos os valores a que temos direito pela transmissão dos 3 minutos de resumo e que seria sempre nosso mesmo que os jogos não fossem transmitidos.

Dir-me-ão, e também com razão, que o Belenenses sozinho nada pode fazer, todos aceitam este contrato e não seríamos nós a ficar sós nas negociações. Mas também é verdade que da nossa parte nada fazemos para inverter esta situação, não lideramos, nem integramos, nenhum movimento que se oponha frontalmente a este monopólio e, mais que tudo, dependência. E quando este dinheiro diminuir, ou mesmo acabar? Teremos o Estádio vazio à mesma e sem as receitas televisivas.

É tempo de pensar o futebol em Portugal. Carvalhal disse, e muito bem, ao contrário de um ex-Vice-Presidente do Belenenses, que preferia 20.000 pessoas no Estádio do que 5.000, ainda que a receita fosse a mesma. Temos de saber o que queremos, arranjar um compromisso entre assistências e Televisão, com uma certeza porém:

Sem pessoas nos Estádios, mesmo com todo o dinheiro do Mundo das Televisões, e este é cada vez menor, os clubes definham e o Futebol morre!