Há alguns dias, no decorrer de um agradável almoço com o meu amigo Nuno Gomes, evento que se concretiza, para minha satisfação, com alguma regularidade, ele saiu-se com uma expressão que me deixou completamente siderado: “híbridos de ressonância”. Fiquei surpreendido pelo facto de ele saber o que ela significava (o que não é óbvio para alguém com formação na área das electrónicas; tomara eu que muitos dos meus alunos de Química Orgânica assim tivessem essa noção, pelo que lhe tiro o meu chapéu) mas, constatado esse facto, compreendi que ele a usou de modo particularmente significativo no contexto em que a inseriu e por saber que eu, como químico, lhe seria particularmente sensível.
Para alguns leitores menos versados nestas matérias (como eu o sou, ou mesmo completamente leigo, em outras que os meus estimados parceiros de blogosfera dominam), vou tentar fazer uma breve introdução ao assunto, esperando não ficar com o ónus de ter queimado algum fusível de qualquer circuito mental menos preparado para tratamentos de choque mas, nem por isso, menos valioso e respeitável.
A ressonância é um conceito fundamental na Teoria da Ligação Química. Os átomos que constituem as moléculas ligam-se entre si, na maioria dos casos dos compostos orgânicos, partilhando electrões que pertenciam a orbitais atómicas isoladas e que, na molécula, passam a ocupar orbitais moleculares comuns aos dois átomos que participam nessa ligação. A partilha de um par de electrões deste modo dá origem a uma ligação “sigma”, cuja densidade electrónica está perfeitamente confinada aos átomos envolvidos nessa ligação. Há casos contudo, em que existem átomos com orbitais atómicas não hibridizadas, contendo um electrão cada uma, electrão esse que pode ser partilhado com outro de átomos nas mesmas condições. Estabelecem-se assim ligações “pi” que, conjuntamente com as ligações “sigma” constituem as ligações duplas. Um par de electrões que estabelece uma ligação “pi” pode também estar confinado a dois átomos de uma molécula, mas no caso de existirem mais do que dois átomos consecutivos nessa situação, as várias combinações de partilha electrónica possíveis dão origem à deslocalização desses electrões, que deixam de formar uma ligação localizada, podendo estender-se por mais átomos ou mesmo por toda a molécula. Quando isso acontece, não é possível descrever completamente a estrutura de uma determinada espécie química apenas com a escrita de um modo de partilha electrónica, mas sim com a escrita de todos os modos de partilha possíveis. A estrutura real da espécie não corresponde inteiramente a nenhuma dessas “escritas” parciais, mas sim ao conjunto de todas elas. A este fenómeno chama-se ressonância e os compostos que, por essa razão, só podem ter a sua estrutura descrita pelo conjunto dos diferentes modos de partilha electrónica, designam-se por híbridos de ressonância.
Para melhor ilustrar este fenómeno, apaixonante, ainda que (reconheço) complexo, apresenta-se em seguida o híbrido de ressonância da p-nitroanilia, uma base aromática muito fraca, exactamente devido à estabilização por ressonância dessa forma.
Para alguns leitores menos versados nestas matérias (como eu o sou, ou mesmo completamente leigo, em outras que os meus estimados parceiros de blogosfera dominam), vou tentar fazer uma breve introdução ao assunto, esperando não ficar com o ónus de ter queimado algum fusível de qualquer circuito mental menos preparado para tratamentos de choque mas, nem por isso, menos valioso e respeitável.
A ressonância é um conceito fundamental na Teoria da Ligação Química. Os átomos que constituem as moléculas ligam-se entre si, na maioria dos casos dos compostos orgânicos, partilhando electrões que pertenciam a orbitais atómicas isoladas e que, na molécula, passam a ocupar orbitais moleculares comuns aos dois átomos que participam nessa ligação. A partilha de um par de electrões deste modo dá origem a uma ligação “sigma”, cuja densidade electrónica está perfeitamente confinada aos átomos envolvidos nessa ligação. Há casos contudo, em que existem átomos com orbitais atómicas não hibridizadas, contendo um electrão cada uma, electrão esse que pode ser partilhado com outro de átomos nas mesmas condições. Estabelecem-se assim ligações “pi” que, conjuntamente com as ligações “sigma” constituem as ligações duplas. Um par de electrões que estabelece uma ligação “pi” pode também estar confinado a dois átomos de uma molécula, mas no caso de existirem mais do que dois átomos consecutivos nessa situação, as várias combinações de partilha electrónica possíveis dão origem à deslocalização desses electrões, que deixam de formar uma ligação localizada, podendo estender-se por mais átomos ou mesmo por toda a molécula. Quando isso acontece, não é possível descrever completamente a estrutura de uma determinada espécie química apenas com a escrita de um modo de partilha electrónica, mas sim com a escrita de todos os modos de partilha possíveis. A estrutura real da espécie não corresponde inteiramente a nenhuma dessas “escritas” parciais, mas sim ao conjunto de todas elas. A este fenómeno chama-se ressonância e os compostos que, por essa razão, só podem ter a sua estrutura descrita pelo conjunto dos diferentes modos de partilha electrónica, designam-se por híbridos de ressonância.
Para melhor ilustrar este fenómeno, apaixonante, ainda que (reconheço) complexo, apresenta-se em seguida o híbrido de ressonância da p-nitroanilia, uma base aromática muito fraca, exactamente devido à estabilização por ressonância dessa forma.
As propriedades, quer físicas, quer químicas, de todos os compostos são consequência directa da sua estrutura, e, como tal, por ela determinadas. No caso dos compostos cuja estrutura é descrita por um híbrido de ressonância, a deslocalização electrónica é responsável por modificações drásticas das suas propriedades, tanto no que respeita à sua estabilidade, como no que respeita à sua reactividade. Os compostos que estão estabilizados por ressonância são muito mais estáveis (possuem menor energia interna) do que os seus análogos em que tal fenómeno não se verifica, sendo mesmo mais estáveis do que a menos energética das estruturas participantes no seu híbrido de ressonância. De um modo geral, uma espécie mais estável corresponde a uma espécie menos reactiva, pelo que, tal como na estabilidade, a ressonância desempenha também um papel decisivo na reactividade.
Mesmo as espécies mais instáveis e reactivas, como os radicais livres, que são espécies que se caracterizam por terem um electrão desemparelhado, que pode estar confinado a um só átomo ou deslocalizado por ressonância, podem ver estas propriedades fortemente modificadas pelo fenómeno da ressonância. Na figura seguinte mostram-se a estrutura do radical hidroxilo, não estabilizado por ressonância e uma das espécies mais instáveis, reactivas e “lesivas” que se conhecem, e o híbrido de ressonância que descreve a estrutura do radical-catião da N,N,N’,N’-tetrametil-p-fenilenodiamina.
Só para se fazer uma ideia do modo como a ressonância influencia as propriedades e o comportamento destes dois radicais, basta dizer que o radical hidroxilo tem um tempo de vida da ordem de poucos nanossegundos (10 exp.-9 seg), só podendo ser detectado como intermediário por métodos indirectos, e reage praticamente com tudo o que lhe aparecer à frente (por exemplo com o ADN do núcleo das nossas células, provocando modificações irreversíveis, que estão na base das mutações genéticas e dos fenómenos de carcinogénese daí decorrentes), enquanto que o radical que está estabilizado por ressonância é muito menos agressivo, aguentando-se mesmo durante algumas horas em solução (a que confere uma magnífica cor azul!), tempo mais que suficiente para a sua estrutura poder ser determinada directamente por espectroscopia.
Neste momento, estará o prezado leitor habitual deste blogue a pensar para com os seus botões: “Este gajo já costuma ser chato, mas hoje exagerou. Que mal fiz eu a Deus para estar a gramar esta seca? E mais, o que é que isto tem a ver com o Belenenses?” Compreendo o seu sofrimento, caro leitor e, para o aliviar, apresso-me a responder às suas perguntas. Quanto a ser chato, é uma característica minha, que terá a bondade de aturar sempre que a tal se dispuser. Agradeço a sua boa vontade. Não creio que tenha feito algum mal a Deus. Peço-lhe que não tome a seca como castigo. Finalmente, à primeira vista, isto não tem nada a ver com o Belenenses (exceptuando talvez a cor azul do tal radical...). Mas é neste ponto que ouso discordar de si, porque é só à primeira vista. Uma capacidade de observação um pouco mais profunda e alguma imaginação permitem sempre encontrar analogias, mesmo entre situações aparentemente incompatíveis. Sim, há híbridos de ressonância no Belenenses! Foi aliás, precisamente por esse motivo, que o Nuno empregou a expressão.
Os híbridos de ressonância do nosso Clube são aquelas pessoas que têm uma costela azul e, supostamente, o resto das peças da mesma cor. Mas só supostamente, pois uma análise mais minuciosa põe a nu, com surpreendente facilidade, a existência de um rim vermelho ou de uma unha verde às riscas. Tal como a deslocalização electrónica por ressonância permite explicar muitas das propriedades dos compostos químicos, o mesmo fenómeno abre caminho à interpretação da personalidade, do comportamento, enfim, das “propriedades” dessas pessoas. Assim, considerando-os como híbridos de ressonância, e à luz da teoria atabalhoadamente exposta acima, não nos será difícil interpretar alguns resultados experimentais. Como o facto de o azul não ser a sua cor fixa, apresentando estranhas tonalidades cinzentas que nos deixam na eterna dúvida de não sabermos exactamente a que comprimento de onda é que absorvem. Como a dificuldade em tomarem decisões ou, quando as tomam, serem suficientemente elásticas para se adaptarem às conveniências dos interesses exógenos. Como o prazer que sentem em partilhar croquetes (quais electrões de carne, mas sem osso nem energia potencial) em lanchezinhos com alegados amigos de outras cores.
Nós, aqui no Belenenses Sempre, não sentimos grande afinidade com os híbridos de ressonância. Temos uma só cor, somos azuis, sem quaisquer tonalidades ditadas por moda de geração ou por estratégia de circunstância. Assumimos as nossas posições, mesmo as controversas; guia-nos um ideal, lutamos por uma causa, temos uma missão a cumprir. Não gostamos de partilhar croquetes com estranhos, muito menos regados a “panachés”; preferimos um pastel de Belém, mesmo a solo ou, melhor ainda, saboreado de pé com o nosso povo.
Identificamo-nos muito mais, isso sim, com os radicais livres, sobretudo com aqueles que não são estabilizados por ressonância. Como eles, somos instáveis; não temos medo das mudanças. Como eles, somos reactivos; o que se passa (ou não) no Clube não nos deixa indiferentes, suscitando-nos, pelo contrário, uma incontida vontade de agir. Como eles, acima de tudo, somos livres!
Saudações azuis.
Exclusivamente azuis. Sem ressonância.