domingo, 13 de novembro de 2005

Acácio Rosa, em discurso directo (Parte II/II)

Entrevista publicada na revista “A Bola” Magazine, em 16 de Setembro de 1988 (edição nº 16).


Vai um cafézinho? (continuação)

A Bola Magazine: Já não é lógico falarmos em mística do Belenenses?

Acácio Rosa: A mística do Belenenses mantém-se. Os pais continuam a fazer dos filhos novos associados. Mas há que ter a consciência de que somos poucos. Nas Bodas de Ouro éramos 20.000, hoje, seremos 15.000. E penso ainda que as últimas medidas relacionadas com a actualização das quotas, senhas, cativos, etc., vão em muito prejudicar o aumento da população associativa. Pode, de momento, haver um aumento de quotização, mas é provável que baixe bastante o número de associados. Quanto a mim, assiste-se a uma inversão de valores.


O Belenenses, tal qual é hoje, já não lhe guia os passos para o Restelo? Tenta esquecê-lo?

O Belenenses será, até à morte , o meu Clube. O Clube da minha vida. Gostava de o servir como seccionista do andebol, mas entenderam que eu estava a mais. Depois, houve uma Assemblia por mim requerida e aconselharam-me a calçar as pantufas. Fui muito incompreendido e maltratado. Aceitei o conselho. Afastei-me.


Se porventura voltasse ao desporto, tentaria alterar o regime que o dirige?

Terminou em definitivo a minha vida no dirigismo. Mas sempre lhe digo que nesta altura ninguém pode travar a loucura que entrou no desporto e o fere. Por todos os lados vive-se a miragem dos contratos e dos milhões, clubes e pessoas estão subjugados pela campeonite. Ganham os grandes com este estado de coisas. E os outros? Os mecenas, os bingos, as pedinchas, vão resolvendo até quando?


E a invasão de estrangeiros no futebol português?

Se se mantiver a dupla nacionalidade portuguesa-brasileira, serão os brasileiros, numa maioria esmagadora a fazerem o nosso futebol e o nosso campeonato. Ora isto é inconcebível. A situação tem de ser disciplinada. Entendo que dois ou três seria razoável. E quanto a mim brasileiros são brasileiros e portugueses são portugueses.


Admite que existem diversos tipos de coacção e tentativa de suborno sobre os árbitros?

Nos quatros anos em que presidi à Comissão Central de Árbitros de Futebol, nunca assisti a um jogo do meu Clibe. No meu tempo, existia a coacção política e foi por isso que me demiti. Os árbitros são homens honestos, cumprem o seu dever. Penso que eles só precisam de protecção dos seus dirigentes. Os árbitros têm medo de errar, à sua volta gira um mundo de interesses que eles não podem deixar de sentir. Se não forem protegidos e não tiverem forte personalidade, estão perdidos. Isto não quer dizer que as boas ou más arbitragens não sejam possíveis, sempre assim foi, assim continuará a ser. Mas para detectarmos os erros temos de ir às origens, não é? A arbitragem, pela minha perspectiva, é um sacerdócio, não gostaria de um dia pensar o contrário.


Como passa o seu tempo? Vê televisão? Ouve rádio? Lê?

Infelizmente sou alérgico aos raios ultra-violetas. Em 1984, disseram-me os médicos que eu era o quarto caso conhecido pela medicina em todo o mundo. Veja lá o que me estava reservado. Fujo ao sol como o diabo da cruz. Sim, ouço rádio, vejo televisão, mas longe do ecrán, e leio sobretudo biografias de homens e mulheres célebres. Vitor Hugo acima de todos. Mas também gosto de Leon Tolstoi, José Régio e Camilo Castelo Branco.



Sinto-me cansado

Falar de Belém, do Belenenses e do desporto encanta-me, embora, por vezes, sinta alguns desencantos, as coisas hoje, não são como outrora, quando um símbolo de um clube era amado e sempre respeitado. Gosto de falar daquilo que sei e, sabendo de mais coisas, conhecendo o mundo e a sua evolução, prefiro, sim senhor, discutir os assuntos desportivos.

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Este amor pelo Belenenses tem origem, sobretudo, na minha naturalidade: nasci em Belém. Adoro Belém, penso que é a terra mais bonita do mundo, e eu já viajei bastante. Viagens queme divertiram e me afastaram de um dia-a-dia onde caíram, também, desgostos profundos. Não sou contra o progresso, mas isso não quer dizer que o aceite em todas as circunstâncias e não e por eu ser um homem de 76 anos que recordo com saudade episódios que ficaram lá para trás perdidos no tempo e, em termos desportivos, quiçá desvanecidos na história.

Sinto-me cansado. Valem-me os meus netos, sócios do Belenenses desde que nasceram. Naturalmente porque sou filho de um presidente do Clube e pai de um presidente. O azul corre-nos nas veias.

Vejo o meu Belenenses e penso-o sofisticado. Como os outros clubes. Amo-o da mesma forma, mas mantenho na memória o campo do Pau de Fio e os trabalhos de construção das velhas Salésias, com o Joaquim de Almeida comandando a sua equipa de obras. Salésias que sempre sonhei pátria de ecletismo porque não posso conceber o Belenenses sem as modalidades amadoras, um Clube com a sua grandeza não pode ser só futebol.

O Belenenses é, para mim, um país dentro da nossa terra. Servi-o apaixonadamente, e se alguma vez errei foi por excesso de amor, de lhe querer, de o desejar grande. Tenho a consciência tranquila e por isso feliz, vivi intensamente o meu Clube durante sessenta anos! Hoje, sinto-o também com fervor clubista mas afastado do centro das decisões.

Dei-me ao Belenenses, mas dele recebi inesqucíveis alegrias, galardões e amizades. São medalhas que guardo orgulhosamente.

Penso, sem sintomas de vaidade, não, não os sinto, que faço parte da mística do Belenense, do meu Belém, sempre Clube digno e enorme até quando a sorte lhe é adversa.