quarta-feira, 30 de novembro de 2005

À margem de uma Assembleia Geral

Esta noite, tive um pesadelo. Sonhei que tinha voltado ao Liceu que frequentei na minha juventude, no Alto de Santo Amaro. Estava presente para uma reunião. O motivo era grave. Tinha sido assassinado alguém do Belenenses, em Londres. A reunião era dirigida por uma colega minha da Faculdade, que nada tem a ver com o Belenenses, e estava presente a minha mãe, que tem tudo a ver com o Belenenses… Não me lembro como acabou. Deve ter acabado nas únicas duas horas em que consegui dormir esta noite, por isso não me lembro. Também não tem qualquer importância.

Nada disto faz sentido. Pois não, os pesadelos nunca fazem sentido, mesmo quando se seguem a pesadelos reais. Como o que vivi ontem à noite na Assembleia Geral do Belenenses.

Tinha-me comprometido com os meus colegas de blogue a fazer uma crónica sobre o acontecimento. Aqui estou a cumprir os serviços mínimos. Tinha tomado algumas notas, mas nem sequer as vou consultar. Porque não vou fazer uma reportagem do que se passou. Muita gente a fará, ou terá já feito, e muito melhor do que eu. Vou falar do que aprendi nessa reunião. O breve parágrafo que se segue constitui a referida prestação de serviços mínimos.

A sessão iniciou-se com a meia hora de atraso regulamentar. Cumpriu-se o período de meia hora antes da Ordem dos Trabalhos (que durou setenta e cinco minutos), que registo com agrado. Intervieram nove associados a que se seguiu a resposta do Presidente da Direcção. Todos os pontos da Ordem de trabalhos tiveram as respectivas propostas aprovadas. A admissão de novas filiais, por unanimidade. A atribuição de dois galardões (Coelho da Fonseca, a título póstumo, e Anaiz Moniz), por unanimidade e aclamação. A manutenção da quotização e a criação de uma quota azul, por maioria. O orçamento para 2006, por maioria. Está cumprida a minha obrigação.

Durante as três horas que a reunião ocupou, estive atento ao que se passou e pensei no meu Clube. Tudo correu bem. A assembleia passou com sucesso a mensagem de um Clube onde tudo corre como deve ser. Há harmonia entre quem dirige, as oposições são salutares e afinal está tudo do mesmo lado. Não faltou sequer aquela pitada de conflito interno, a desavença controlada, a pequena quezília, que não faz mais do que temperar a preceito uma paz que se pretende inabalável.

Todos cumpriram à risca a sua missão. Menos eu, que para tal não consegui arranjar arte. Não intervim, como em assembleias anteriores, porque se o tivesse feito estaria fora de qualquer contexto, apenas a exibir-me num palco onde outros o fizeram e não seria esse, em meu entender, um modo válido de contribuição para o Clube. Limitei-me a observar. Os bastidores e as entrelinhas. Aprendi.

Vi pessoas que estavam lá porque queriam estar. Vi pessoas que estavam lá porque tinham de estar. Vi pessoas que se mostraram, pessoas que tentaram parecer invisíveis, pessoas que tentaram mostrar que outras eram invisíveis. Não vi muitas que gostaria de ter visto, embora não conheça a maior parte delas.

Esta observação e o que aprendi com ela deixaram-me uma sensação de absoluta desilusão. Aceito o preço. O Belenenses é uma enorme massa cristalizada desde há várias décadas e assim continuará. Fiquem todos descansados, não há motivos para preocupação, o Belenenses não vai morrer. O Belenenses já morreu.

Existe uma nomenclatura, de nomes conhecidos, desconhecidos e a conhecer, que garante a eternidade. Existe quem a apoie. Existe quem a critique suavemente. Existe até a esperança, incorporada por aqueles a quem o Clube trata por “Sr. Dr.” (mesmo não o sendo) e que mostram progressos claros no estudo que estão a fazer sobre o regime. Toda esta gente constituirá o grande batalhão da estabilidade. Estou certo que vão conseguir levar a cabo todas as mudanças que vão ser necessárias para que o Belenenses fique na posição em que cristalizou nas últimas décadas, e em que continuará nas próximas.

Desejo a todos as maiores felicidades, pessoais e institucionais. O seu trabalho merece o meu respeito. Merece até o meu apreço. Só não merece a minha adesão. Incapacidade minha, certamente. Eu saio aqui.

Continuarei a ser do Belenenses até ao fim dos meus dias. Mas não farei mal a ninguém, não se assustem. Fiquem bem, vão para dentro, não se incomodem. Lutarei apenas com as armas que o amor ao meu Clube me permitir utilizar com lealdade. Não tenho a capacidade infinita para sofrer que tinha Acácio Rosa. Não consigo voltar a assistir a uma encenação como a de ontem, em que, mais uma vez, vi o meu Clube agonizar numa cerimónia de auto-comiseração colectiva, de regozijo com os louros obtidos, de resignação com os falhados, de alívio por mais um susto ultrapassado.

Saio aqui, como disse. A minha missão leva-me por outro caminho. Oxalá um dia tenhamos a alegria de nos reencontrarmos.

Saudações azuis.