Ramada Curto, um conhecido advogado da primeira metade do Século XX, quando em julgamentos criminais nada mais conseguia alegar em defesa dos acusados, seus constituintes, dirigia aos juizes este pungente apelo: “E lembrem-se que alma e lama se escrevem com as mesmas letras”.
A Alma do Belenenses é uma expressão que foi sempre característica do nosso clube, especialmente nos seus tempos heróicos. Hoje em dia, por vezes, ela é questionada e até rejeitada por alguns, que associam tal expressão a um sentimentalismo ultrapassado.
Pela nossa parte, entendo que há vários níveis na Alma – na filosofia grega reconheciam-se os vitais, os emocionais, os racionais e os noético-intuitivos; e deve-se ainda acrescentar as faculdades volitivas – e, por isso, recorro a essa expressão com bastante agrado. Ela representa aquilo, e apenas aquilo, em que o nosso clube foi rico; e, pelo exposto, quando espero que os nossos dirigentes, atletas e treinadores tenham alma, refiro-me à expectativa de que trabalhem nos limites da dedicação, do esforço, da determinação, da inteligência e do dinamismo.
Se a Alma do belenenses morresse, o seu corpo, por mais engrandecido e cumulado de triunfos que estivesse, nada me diria. Seria igual a um detergente para a roupa ou a uma empresa petrolífera. O caminho para a morte pode bem ser o da perversão da alma, perdendo valores, princípios e identidade e transformando-se em lama. É esse o risco que me parece existir. Alma e lama escrevem-se, de facto, com as mesmas letras; e há o risco de que se confundam e misturem.
Nos últimos 20 anos, o Belenenses, graças ao bingo, teve recursos financeiros como nunca possuiu em toda a sua existência. E, contudo, tirando o breve período 86-89, estes foram os anos mais negros da sua história, tanto em resultados como em vivência clubística. Foram os meios ou foi a Alma que nos faltou?