sábado, 7 de janeiro de 2006

BELENENSES, 0 – GIL VICENTE, 2: A FRIO

Escrevi esta madrugada que tentaria escrever uma crónica deste jogo com a cabeça mais fria.

No entanto, o título não se refere apenas a essa frieza que, aliás, não é muita.

Refere-se, desde logo, ao frio que ontem houve no Restelo. Não falo apenas, nem sobretudo, do tempo frio.

Aludo, antes de mais nada, à frieza de umas bancadas cada vez mais despidas. Apenas cerca de 1000 pessoas estiveram presentes. Isso mostra bem como os sócios e adeptos estão em delírio com a política de pôr o clube de cócoras e como dá resultados definir o circo como prioridade. Não é que eu tenha nada contra o circo; mas investir no acessório, deixando sempre para trás o principal, enquanto o clube definha, não é coisa que eu consiga entender. O Belenenses profundo é algo completamente esquecido.

Até a reacção final foi de frieza: passámos todos os patamares de desânimo, humilhação e impotência.

Pessoalmente, vi o jogo num estado de sonho, ou antes, de pesadelo. Passei parte do tempo a pensar que este não é o meu Belenenses. Vejo que outros consócios partilham do mesmo sentimento. O que sentimos não tem a ver com o facto de termos perdido. Tem a ver com a forma como perdemos. Tem a ver com tudo aquilo que está antes de termos perdido. Tem a ver com um clube que perdeu todos os seus instintos básicos e fundadores, e se transformou numa coisa de plástico.

Vamos ao jogo. José Couceiro apresentou o mesmo onze inicial pela terceira vez consecutiva, dentro da máxima de que em equipa que ganha não se mexe. Tivemos, assim:

Marco Aurélio; Sousa, Rolando, Pelé e Vasco Faísca; Rui Ferreira, Pinheiro e Ruben Amorim; Paulo Sérgio, Meyong e Ahamada.

O jogo foi aberto. O Gil Vicente não veio fazer jogo negativo. Na verdade, foi quase sempre mais perigoso. Aos 7 minutos, um seu atacante enviou a bola ao poste da nossa baliza. Não tinha sido a primeira, nem foi a última ameaça, longe disso.

O Belenenses jogava mais em contra-ataque, sem vontade ou capacidade para pegar no jogo. Será que Couceiro, em coerência com a sua entrevista de há 10 dias atrás, achou que o empate seria um excelente resultado? Não sei, mas parece. Pergunto-me se a ideia de Couceiro não é sair de Belém como herói, salvando-nos dramaticamente da descida, na expectativa de compensar o passo atrás que disse ter dado, ao vir para o Belenenses.

Dois contra-ataques rápidos e perigosos do Belenenses deram origem a dois erros do árbitro, susceptíveis de influenciar o resultado.

Cerda dos 20 minutos, Ahamada foi isolado por Ruben Amorim. Chegou mesmo a rematar e a fazer bola entrar na baliza do Gil Vicente. O árbitro, mal, assinalou fora de jogo. Foi um erro grave.

Se não fosse este erro da arbitragem, ter-se-ia talvez repetido o cenário do jogo com o Paços de Ferreira. Aliás, vamos ser sinceros: o Belenenses não jogou nem muito melhor nem muito pior do que contra o Paços de Ferreira (embora o Gil Vicente, isso sim, se tenha revelado muito mais afoito). Não convenceu contra o Paços de Ferreira; ontem foi mau, porém não tão mau como contra o Estrela da Amadora. Ainda se viu uma ou outra jogada.

Numa delas, surge novo erro do árbitro, desta vez a nosso favor. Isolado por Pinheiro, mesmo em cima dos 45 minutos, Meyong (quem havia de ser?) consegue isolar-se mas com a bola mal dominada. Ainda antes da área, em despique por Rodolfo Lima, acaba por cair. O árbitro marca livre e expulsa o gilista. A decisão é duvidosa, confesso. Rodolfo Lima esteve assim em vias de fazer algo de realmente útil a favor do Belenenses. Na marcação do livre, Pinheiro quase fez golo.

Pensámos que, com um jogador a mais, o Belenenses teria a vida facilitada para chegar ao triunfo. Vendo friamente, talvez não tenha sido um bem. Manifestamente, a nossa equipa não está preparada, não tem fio exibicional para pegar num jogo.

Couceiro arriscou. Trocou o desastrado Vasco Faísca por Djurdjevic e o médio defensivo Rui Ferreira por Silas. Como correu mal, seria agora fácil criticar o treinador. Não o vou fazer. Critico-o, sim, por não ter a equipa preparada e trabalhada. Compare-se com a forma como o plantel gilista está aproveitado.

Durante um quarto de hora, embora sem encher o olho, o Belenenses deu a sensação de poder chegar ao triunfo. No entanto, os remates desastrados de Ahamada, Paulo Sérgio e até Ruben Amorim fizeram lograr o intento. O Gil vicente, porém, não se confinou somente a defender. Dois contra-ataques perigosos, um deles salvo in extremis por uma excelente intervenção de Rolando, deixaram o aviso.

À terceira foi de vez: Carlitos foi por ali fora, com Pelé incapaz de o travar, e fez o golo. O Restelo gelou de vez. Havia 64 minutos de jogo.

Dois minutos depois, Couceiro trocou Sousa por Romeu. A reacção do Belenenses foi quase inexistente. Pior: nem sequer foi com grande surpresa que, aos 81 minutos, num remate de longe, o Gil Vicente fez o 2-0, enegrecendo ainda mais o pesadelo e sentenciando o jogo.

E perdemos. É mais um record negativo do clube, perder nestas condições.

Não se conhece qualquer reacção pública de nenhum responsável da SAD ou do Clube seu principal accionista. Fiquemos por aqui...

Couceiro disse que entrámos mal no jogo... blá-blá-blá. Penso que há muito que Couceiro e seu antecessor Carvalhal não falam nas flash-interviews. É colocada uma cassette gravada há um ano e tal. As respostas são dadas em play-back. Já conhecemos a conversa de cor e salteado.

Já mesmo para o fim, Couceiro, então sim, falou, dizendo que há situações estranhas a condicionar o rendimento da equipa, as quais não se verificam pela primeira vez.

Nesse aspecto, dou-lhe razão. De facto, passam-se coisas muito estranhas. E não é pela primeira vez, também haverá que concordar. Nos últimos 16 anos, passaram-se, pelo menos, uma dúzia de vezes. São dezasseis anos, aliás, em que as Direcções saem umas de dentro das outras.

Para mim, Couceiro não é uma solução mas uma parte do problema. Ele foi contratado na mesma lógica, em sintonia com uma maneira de estar, a famosa “identificação com os valores do clube”. Para mim, não são valores nenhuns mas sim, autênticas negações dos verdadeiros e originais valores do Belenenses. Como diz um muito estimado consócio nosso, para José Couceiro o Belenenses “não passa de uma barbearia”.

No entanto, não defendo a sua demissão. O mal foi feito ao contratá-lo. Agora...que fazer? Também não entro pelo caminho de chamar “chulos” e coisas do género aos jogadores. Por estranho que possa parecer, ainda é no brio de alguns jogadores que eu tenho menos descrença. É triste mas é verdade.


Hoje, no Record, noticia-se que, além de Ivanildo, Sandro talvez venha igualmente emprestado. UAU!