sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Revisão dos Estatutos do CFB (VIII/VIII)

8. Sócios

Um clube desportivo, ou mesmo um clube de qualquer outro tipo, como instituição de carácter associativo, não teria existência sem Sócios. É, aliás, de consenso generalizado que os Sócios são o “órgão” mais importante de um clube, ainda que, no caso do Belenenses, os seus Sócios tenham já sido algumas vezes classificados como “os piores do mundo”. Não é, contudo, este o contexto apropriado para discutir esta falsa (?) questão, e muito menos essa discussão faz parte dos objectivos deste conjunto de artigos para reflexão.

Da importância que os Sócios têm para o Belenenses parece dar conta a actual versão dos seus Estatutos. De facto, aparentemente assim é, uma vez que esses Estatutos dedicam aos Sócios o seu Capítulo V (Art.ºs 26º a 62º), um dos mais extensos do Regulamento do Clube. Exactamente pela extensão referida, tentar-se-á aqui poupar a paciência (e capacidade de análise) do leitor, resumindo a estrutura do Capítulo V e remetendo o leitor apenas para os aspectos da legislação sobre Sócios que, na opinião do autor deste artigo, carecem de alguma reflexão e eventual remodelação.

O Capítulo sobre os Sócios do Belenenses encontra-se dividido em cinco Secções: I – Categorias de Sócios; II – Direitos dos Sócios; III – Deveres dos Sócios; IV – Sanções Disciplinares; V – Louvores e Galardões.

A primeira secção descreve, naturalmente, os vários tipos de Sócios previstos pelo Clube, destacando-se os Art.ºs 26º e 27º que a seguir se transcrevem, ocupando-se os seguintes da sua caracterização, condições de admissão e situações (normais e especiais) de quotização.

SECÇÃO PRIMEIRA - CATEGORIA DOS SÓCIOS
Artigo 26º
Podem adquirir a qualidade de Sócios do C.F.B., na classe que lhes competir, as pessoas singulares e colectivas que hajam sido propostas e satisfaçam as condições estabelecidas nestes Estatuto.
Artigo 27º
Os Sócios integram as seguintes categorias:
A - Sócios efectivos (individuais ou colectivos);
B - Sócios atletas;
C - Sócios correspondentes

Algo deslocados, contudo, em minha opinião, aparecem os Art.ºs 35º e 36º:

Artigo 35º
Quando culposamente deixem de cumprir os deveres consignados nestes Estatutos, os Sócios podem ser suspensos ou expulsos mediante processo disciplinar organizado pelo Conselho Fiscal e Disciplinar, de cuja deliberação poderá haver recurso para a Assembleia Geral.
Artigo 36º
1 - A readmissão de Sócios será feita nas mesmas condições que a admissão.
2 - Os Sócios que pretendam ser readmitidos com o número de ordem que tinham à data da expulsão, nos termos do número dois do artigo quinquagésimo terceiro, poderão solicitá-lo, desde que efectuem o pagamento integral das quotas em atraso, cabendo a decisão à Direcção do C.F.B.
3 - A decisão da readmissão de sócio que tenha sido punido com a sanção de expulsão cabe à Assembleia Geral, sob proposta da Direcção com parecer favorável do Conselho Fiscal e Disciplinar.

É evidente que quem aceita ser Sócio de um Clube sabe, à partida, que tem que cumprir os regulamentos. Sabe também que tem direitos e deveres, estipulados por esses mesmos regulamentos (os Estatutos, neste caso), pelos quais deverá pautar conscientemente a sua conduta. O que é estranho, mesmo muito desagradável, devo dizer, é que os Estatutos falem em suspender ou expulsar Sócios que não cumpram os seus deveres, antes de lhes dizer quais são (o que será tratado, no Capítulo V, apenas nas Secções II e III). Parece que o Clube desconfia, por princípio, dos seus Sócios ou daqueles que o virão a ser, o que estará mais de acordo com a tal filosofia dos “piores sócios do mundo” do que com a ética de um Clube de bem. Não menos grave é ainda o facto de se prever a aplicação de sanções por “infracções” e “violações” que nunca chegam a ser definidas, como se verá mais adiante.

A segunda secção é dedicada aos Direitos dos Sócios, que estão essencialmente consignados no Art.º 38º:

SECÇÃO SEGUNDA - DIREITOS DOS SÓCIOS
Artigo 38º
Os Sócios efectivos e correspondentes, desde que estejam no pleno uso dos seus direitos associativos, podem:
a) participar nas Assembleias Gerais, quando forem maiores de dezoito anos de idade e sejam Sócios há mais de doze meses;
b) requerer a convocação de Assembleias Gerais Extraordinárias nos termos previstos nos Estatutos, desde que satisfaçam as condições da alínea a) deste artigo;
c) eleger e ser eleito ou designado para o desempenho de qualquer cargo social do C.F.B., nos termos previstos nos Estatutos;
d) representar o C.F.B. se para tal for devidamente mandatado;
e) propor a admissão de novos Sócios;
f) frequentar a Sede e demais instalações do C.F.B. e utilizá-las nos termos regulamentares;
g) usufruir de todas as regalias de ordem social possibilitadas pelo C.F.B.;
h) praticar desporto nos termos estabelecidos pelos regulamentos em vigor no C.F.B.;
i) solicitar da Direcção a suspensão do pagamento de quotas desde que:
- se ausentem para fora do País por período superior a um ano;
- se encontrem doentes e impossibilitados de trabalhar;
- se encontrem em situação de desemprego ou não auferindo salários;
- se encontrem a prestar serviço militar obrigatório;
j) tomar conhecimento das contas, dos documentos e livros relacionados com as actividades do C.F.B., nos dez dias que precederem a Assembleia Geral Ordinária, convocada quer para discutir e votar a proposta do Orçamento das Receitas e Despesas para o ano seguinte quer do Relatório e Contas da Direcção relativamente ao exercício económico anterior.

Os artigos seguintes dizem respeito a questões logísticas decorrentes das várias categorias de sócios. Embora possa sofrer alterações pontuais na sua redacção, esta Secção não carece, em minha opinião, de remodelação profunda.

A terceira secção estabelece os Deveres dos Sócios e é exclusivamente constituída pelo Art.º 44º, que se transcreve na íntegra:

SECÇÃO TERCEIRA - DEVERES DOS SÓCIOS
Artigo 44º
São deveres dos Sócios:
a) prestigiar o C.F.B., honrando-o em todas as circunstâncias e designadamente, quando em sua representação ou no exercício de funções para que tenham sido indigitados pelo C.F.B;
b) pagar, pontualmente, as quotas determinadas em Assembleia Geral e outras contribuições a que estejam obrigados;
c) cumprir as disposições dos Estatutos e Regulamentos do C.F.B.;
d) exibir o seu cartão de Sócio sempre que se justifique e lhe seja exigido;
e) desempenhar gratuitamente, com zelo e assiduidade, todos os cargos para que forem eleitos ou designados;
f) defender e zelar pelo património do C.F.B.;
g) indemnizar o C.F.B. e/ou terceiros por quaisquer danos ou prejuízos por si causados e pelos quais o C.F.B. possa ser responsabilizado;
h) não negociar com o C.F.B., directa ou indirectamente, sempre que investido no exercício de qualquer cargo dos Órgãos Sociais,
excepto em casos pontuais considerados de grande interesse para o C.F.B. e que, como tal, depois de aprovados em reunião de Direcção, obtenham o parecer favorável do Conselho Fiscal e Disciplinar;
i) comunicar à Direcção, no prazo máximo de sessenta dias, a mudança de endereço;
j) acatar as resoluções da Assembleia Geral e cumprir as determinações da Direcção.

O conteúdo do Art.º 44º parece-me também relativamente “pacífico”, pese embora a redacção da sua alínea h) se poder prestar a algumas dúvidas ou más interpretações, pelo que deveria estar mais claramente redigida.

Bastante menos pacífico é, provavelmente, o teor da quarta secção – Sanções Disciplinares – em particular o dos Art.ºs 46º a 51º:

SECÇÃO QUARTA - SANÇÕES DISCIPLINARES
Artigo 45º
Todos os Sócios estão sujeitos ao poder disciplinar do C.F.B.
Artigo 46º
1 - As infracções disciplinares, que consistam na violação dos preceitos estatutários e regulamentares, podem ser punidas, conforme a sua gravidade, com as seguintes sanções :
a) repreensão;
b) suspensão até um ano;
c) expulsão.
2 - As sanções devem ser especialmente agravadas quando as infracções forem praticadas por membros dos Órgãos Sociais em exercício e implicam perda imediata do mandato.
Artigo 47º
1 - A repreensão consiste na comunicação, por escrito, ao Sócio, dos actos que determinaram a apreciação do seu procedimento.
2 - Esta sanção, porém, não constará da ficha de Sócio.
Artigo 48º
A suspensão consiste na inibição dos direitos de Sócio durante o período estabelecido na sanção.
Artigo 49º
A expulsão consiste na extinção da qualidade de Sócio do C.F.B.
Artigo 50º
1 - Não pode ser aplicada qualquer sanção disciplinar, sem a audiência prévia do Sócio em causa.
2 - A aplicação das sanções previstas nas alíneas b) e c) do artigo quadragésimo sexto está dependente da instauração de processo disciplinar.
3 - O processo disciplinar revestirá sempre a forma escrita, nele devendo ser conferidas ao Sócio as mais amplas possibilidades de defesa e reger-se-á pelas normas processuais aplicadas aos processos da espécie.
4 - A iniciativa de mandar proceder à instauração do processo disciplinar compete ao Presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar, depois de analisada a respectiva participação .
Artigo 51º
1 - O Órgão competente para a aplicação das sanções previstas na presente Secção é o Conselho Fiscal e Disciplinar, com excepção da alínea c) do artigo quadragésimo sexto, que pertence à Assembleia Geral sob proposta do Conselho Fiscal e Disciplinar.
2 - Haverá sempre recurso, no caso das alíneas a) e b) do artigo quadragésimo sexto, para a Assembleia Geral, que o apreciará em reunião imediata, ordinária ou extraordinária .

Como referido acima, mais grave do que a “predisposição primária” a aplicar sanções, é o facto de estas recaírem sobre Sócios que, não se sabe muito bem em que tipo de infracção incorreram. O articulado anterior fala em vários tipos de penas – repreensão, suspensão, expulsão – define-as com algum detalhe, regulamenta como são aplicadas, quem as aplica e como delas se pode recorrer, mas em ponto algum se dá qualquer ideia do que o Clube considera uma infracção ou uma violação e dos respectivos graus de gravidade. É claro que não é possível estabelecer uma lista exaustiva de “prevaricações”, mas há que definir alguns conceitos básicos, uma espécie de “regras do jogo” acessíveis a todos. Caso contrário, estaremos perante um regulamento de um Clube autoritário, despótico, que pensa em primeiro lugar castigar – sem critérios definidos – sobretudo aqueles que justificam a sua existência!

Finalmente, a quinta secção trata do “reverso da medalha” – a distinção daqueles que se portaram bem, segundo os critérios instituídos, obviamente, infelizmente também nem sempre muito claros. Da atribuição de Louvores e Galardões nos dá conta o teor dos Art.ºs 54º a 62º:

SECÇÃO QUINTA - LOUVORES E GALARDÕES
Artigo 54º
O C.F.B. institui os seguintes Louvores e Galardões:
a) louvor da Direcção;
b) louvor da Assembleia Geral;
c) emblemas e diplomas do C.F.B.;
d) medalhas de mérito desportivo e comemorativas de campeonatos;
e) Sócio de Mérito;
f) Sócio Honorário;
g) “Cruz de Cristo de Ouro – Dedicação e Valor”;
h) Presidente Honorário do C.F.B.
Artigo 55º
O louvor da Direcção consiste na manifestação, por escrito, de apreço e reconhecimento por actos praticados.
Artigo 56º
O louvor da Assembleia Geral consiste na aprovação pela Assembleia de uma proposta que traduza especial testemunho de reconhecimento por serviços prestados ao Desporto Nacional e ao C.F.B. em especial.
Artigo 57º
A atribuição de emblemas e diplomas do C.F.B., pela Direcção, destina-se a distinguir os Sócios que completarem vinte e cinco, cinquenta e setenta e cinco anos de filiação.
Artigo 58º
As medalhas de mérito desportivo e comemorativas de campeonatos, destinam-se a premiar o valor e a dedicação dos atletas, responsáveis técnicos, seccionistas e dirigentes do C.F.B., que mais contribuíram para os êxitos alcançados em cada época desportiva.
Artigo 59º
1 - Sócio de Mérito é quem pelos relevantes serviços prestados ao Clube, seja distinguido em Assembleia Geral sob proposta justificada da Direcção com parecer favorável do Conselho Geral.
2 - Ao Sócio de Mérito será atribuído um diploma especial e uma medalha alusiva.
Artigo 60º
1 - Sócio Honorário é o Sócio que se notabiliza, ao longo dos anos, por actos e serviços que enriqueçam o prestígio do Clube, do Desporto ou da Educação Física, que sejam como tal reconhecidos em Assembleia Geral, sob proposta fundamentada da Direcção com parecer favorável do Conselho Geral.
2 - Ao Sócio Honorário será atribuído um diploma especial e uma medalha alusiva.
Artigo 61º
1 - A atribuição da “Cruz de Cristo de Ouro - Dedicação e Valor”, o mais alto galardão do Clube, atribuído a um Sócio, destina-se a tributar o reconhecimento do C.F.B. por serviços prestados de excepcional merecimento.
2 - A atribuição é da competência da Assembleia Geral, sobre proposta da Direcção com parecer favorável do Conselho Geral, a aprovar por maioria qualificada de dois terços dos Sócios presentes.
Artigo 62º
1 - A designação de Presidente Honorário do C.F.B é a mais alta distinção atribuída a um Sócio do Clube, a aprovar pela Assembleia Geral, por maioria qualificada de dois terços dos sócios presentes e sob proposta da Direcção, com parecer favorável do Conselho Geral .
2 - Somente poderá ser Presidente Honorário do C.F.B., o Sócio que haja desempenhado as funções de Presidente da Assembleia Geral, da Direcção ou do Conselho Fiscal e Disciplinar.

Ao contrário da aplicação de sanções prevista na secção anterior, a atribuição de vários tipos de prémios e distinções aos Sócios que contribuíram, de várias formas, mas de um modo decisivo e reconhecidamente importante para o Clube, parece-me de toda a justiça e mostra uma componente de gratidão que assenta bem a qualquer grande instituição. Parecem-me também adequados os tipos de Louvores e Galardões previstos nos Art.ºs anteriores, bem como o modo da sua atribuição, pois caberá sempre a decisão final ao plenário de Sócios do Belenenses que é a sua Assembleia Geral. É ainda aceitável que as propostas para estas distinções sejam elaboradas pela Direcção (com eventual parecer do Conselho Geral, o que já poderá ser mais discutível, atendendo à sua actual constituição), embora seja perfeitamente plausível (e até salutar) que uma proposta deste tipo possa ser apresentada por um grupo de Sócios. Contudo, embora a letra dos actuais Estatutos estipule claramente que as propostas de atribuição da maior parte dos Louvores e Galardões sejam fundamentadas, tal nem sempre se tem verificado na prática. Muitos de nós temos experiências bem recentes de propostas de atribuição do Galardão de “Sócio de Mérito” ou de “Sócio Honorário” que foram apresentadas (e aprovadas!) em Assembleia Geral, cujo fundamento era um lacónico e vazio “por relevantes serviços prestados ao Clube”. Isso é que é completamente inaceitável.

Em conclusão, há que reformular esta parte dos Estatutos de modo a estabelecer uma relação transparente, responsável e responsabilizante, para com a essência do CFB – os seus Sócios! Há que definir claramente as tais regras dos direitos e dos deveres. Há que ter razão e exercer justiça antes de castigar. Há que fundamentar e apresentar motivos antes de premiar. Não queremos um Belenenses demasiado preocupado com “prevaricadores” ou com “caçadores de galardões”. Queremos um Belenenses primordialmente interessado nos seus Sócios!

Saudações azuis.