quarta-feira, 15 de março de 2006

O incesto, o sistema imunitário e o vírus da ruptura

Muito se tem escrito nos últimos dias, na maior parte dos casos bem, mesmo a quente, melhor do que eu o poderia fazer agora a frio, sobre a mudança na administração da SAD do nosso Clube. Não vou por isso escrever sobre o assunto, embora vá aproveitar o acontecimento como exemplo concreto da expressão do mal maior em que ele se enquadra e que, incontornavelmente, o determinou.

A mudança na administração da SAD, na sequência de um pedido ou de uma ordem de demissão, não interessa para o caso esclarecer a causa, foi uma manobra típica de incesto administrativo. Vejamos: sai um grupo de administradores e entra o presidente e um vice-presidente da Direcção. Ou seja, há uma substituição de uns membros por outros da mesma família. Com mais ou menos algumas conversas preliminares, ocorridas há cerca de um ano atrás, a situação podia ser exactamente a inversa, o que, na prática, equivaleria a ser exactamente a mesma. Nada mudaria, como, de facto, nada mudou.

É esta a arma que o regime tem para se defender; é esta a certeza que guia a sua conduta. No Belenenses, desde há algumas décadas, que o regime usa o incesto como técnica de reprodução. No Belenenses, cada nova geração é feita na cama onde nasceram as anteriores. A oligarquia geneticamente deficiente que daí resulta sabe que os problemas se resolverão sempre em família, mesmo que alguns dos seus membros se encontrem acidental e pontualmente desavindos. Será na família que se encontrará o remédio a aplicar a qualquer eventual e (im)prevista maleita. O regime sabe disso. O regime sabe que se for preciso fazer alguma mudança, ou até apenas passar para o exterior uma imagem de mudança (que efectivamente nem chega a acontecer) encontrará entre os filhos do incesto os salvadores para qualquer aflição. É essa a sua filosofia. É com essa arma que se protege contra o exterior e, eficácia suprema, contra os adeptos do próprio Clube. É sobre essa almofada que tem dormido, e continua a dormir, a sono solto.

Estou convicto que as pessoas que criaram e perpetuam este sistema incestuoso o fizeram (e o continuam a fazer) com a melhor das intenções. É algo de subconsciente, que não chega sequer a pôr em causa a sua honestidade. Voltemos ao evento da mudança da administração da SAD: ninguém pode dizer (eu, pelo menos, não posso) que Barros Rodrigues, Jaime Monteiro e Vítor Godinho actuaram de má fé; o mesmo se aplica a quem agora entrou. Mesmo sem se perceber por que razão Cabral Ferreira e Ricardo Schedel assumiram agora cargos que poderiam ter assumido (em acumulação) no início do seu mandato, ninguém poderá acusá-los de estarem a agir erradamente. No que me concerne, devo até saudar a coragem que revelaram. O erro não está nas pessoas, o erro está no próprio sistema. A quota de erro pessoal que se poderá atribuir a alguém neste contexto, resulta tão só do facto de essas pessoas integrarem o sistema e contribuírem para a sua perpetuação. Estou convencido que cada uma delas fez o que pôde e com honestidade. Fez foi muito pouco, muito menos (ou qualquer coisa de diferente) do que aquilo que o Clube precisava que fosse feito. O problema é só esse, mas, infelizmente, esse é o grande problema.

O regime e a filosofia incestuosa que lhe está subjacente acabaram por constituir um sistema imunitário, que impossibilita qualquer intervenção externa. O sistema cura as suas feridas com o pelo do mesmo cão e rejeita qualquer xenobiótico. Resta uma única alternativa: um ataque viral. A entrada de um vírus para o qual os anticorpos do sistema imunitário não estejam programados será letal para o regime, mas constituirá a derradeira esperança de vida para o Clube.

Esse vírus chama-se ruptura.

Saudações azuis.