Em termos desportivos, nunca mais, desde esta data, a da última conquista da Taça de Portugal pelo Belenenses, tivemos uma alegria que se comparasse – que 17 anos tão tristes!
Nessa jornada inesquecível, perante cerca de 60.000 espectadores, dos quais 20 a 25 mil adeptos azuis, com o Estádio Nacional a rebentar pelas costuras (e, por não ter cadeiras, com uma lotação muito superior à de hoje), o Belenenses bateu o Benfica por 2-1. As bandeiras azuis voltaram a agitar-se triunfantemente, 29 anos depois da anterior Taça de Portugal, e 43 anos depois do Campeonato Nacional!
Foi uma final intensíssima, contra o Benfica, que ganhara o campeonato, e que tinha nas suas fileiras jogadores de grande qualidade. À maior valia técnica dos jogadores encarnados (contratados por um poder financeiro que não tínhamos nem de perto nem de longe), opôs o Belenenses a sagacidade técnica de Marinho Peres e o arreganho, a vontade e a crença indomável dos seus jogadores. Eles parecem ter correspondido ao estado de espírito com que entrámos no Jamor: a alegria de estar na festa, algum receio mas uma voz íntima a dizer: “Tem que ser! É agora ou nunca!”. E foi! O “espírito” de conquista sentia-se no ar! É preciso dar mérito ao Presidente Mário Rosa Freire e sua equipa, a Barcínio Pinto, o dirigente do futebol, ao treinador Marinho Peres, aos jogadores e, já agora, a uma massa associativa sequiosa de um grande triunfo.
O percurso até à final tinha-nos enchido de uma esperança crescente. Iniciou-se com uma vitória fora, face ao Sintrense, por 3-0. Depois, vencemos, em casa, o Estrela de Portalegre por 7-2 e o Sporting da Covilhã por 3-0.
Seguiu-se, nos oitavos de final um adversário de dificuldade muito elevada. Acabámos por vencer por 1-0. graças a um golo de Mladenov, em canto directo, já no prolongamento. Foi um desafio muito disputado, com um Belenenses mais na expectativa durante a primeira metade, a inverter a situação na segunda parte e, progressivamente, à medida que o tempo avançava, até arriscarmos tudo na busca do golo. Em vantagem, foi então tempo de cerrar fileiras para guardar a vantagem.
Nos quartos de final recebemos o Sporting de Espinho. Vencemos por 2-1, com o segundo golo a ser marcado, também, no prolongamento. Não estivemos bem nesse jogo, em que fomos bafejados pela precipitação de um jogador do Espinho. Já perto dos 90 minutos, com a bola entrar na nossa baliza, um avançado deles, em fora de jogo, toca desnecessariamente a bola. Só no prolongamento jogámos a sério.
Seguiu-se a épica vitória por 3-1 sobre o Sporting na meia-final, em 12 de Abril (já aqui relatada). E, depois, houve que aguardar, com esperança e ansiedade, que passasse o mês e meio que nos separava da final.
Até que chegou o grande dia. Lembro-me que deixámos (eu e o meu pai) o carro muito longe do estádio e aquela caminhada parecia uma espécie de peregrinação. Sentia-me animado ao ver que na multidão que se dirigia para o estádio havia uma grande proporção de azul. Indo naturalmente para o Topo Norte, aí encontrámos já muitos milhares de belenenses; e muitos mais chegariam ainda. Deve-se dizer que foi uma das maiores enchentes do Estádio Nacional. Os benfiquistas eram mais, é certo, mas não assim muito mais. Conseguimos quase equilibrar nos incentivos – e, claro, superar bastante nos minutos finais. Como já dissemos, estiveram perto de 25.000 pastéis no Jamor, apesar da transmissão televisiva.
O Belenenses alinhou: Jorge Martins; José António; Carlos Ribeiro (depois, Teixeira), Sobrinho, Baidek e Zé Mário; Chiquinho, Juanico, Macaé e Adão; Chico Faria (depois, Saavedra).
O jogo começou com maior posse de bola do Benfica mas com a nossa equipa cheia de garra. À primeira oportunidade para o Benfica, respondeu logo o Belenenses com outra, na jogada seguinte, através de Chiquinho.
Por volta dos 25 minutos, há passe de Juanico a desmarcar Chico Faria, que arrancou como uma flecha, naquele seu jeito de colar a bola aos pés, e deu um nó cego a Mozer – que fez uma falta e ficou a chamar a atenção ao árbitro para marcar a falta que ele próprio tinha cometido, o que a acontecer beneficiaria o infractor e faria parar o nosso avançado (isto foi o que realmente se passou e não a versão que Mozer, 15 anos mais tarde, veio contar, i.e., que teria sido ele a sofrer uma falta! Patético, incrível!). O nosso avançado cavalgou para a baliza do Benfica. Só com o Guarda-Redes pela frente, Chico Faria desviou-lhe subtilmente a bola, que foi para a baliza.
Quando acabou a eternidade que demorou a ultrapassar o risco, foi o delírio entre os beléns, a maior parte deles situados por detrás dessa mesma baliza. Uma grande festa, uma explosão imensa! A nossa esperança redobrou, sentíamos que era agora ou nunca!
Na segunda parte, a uns 20 minutos do fim, o Benfica empatou e tememos o pior. O nosso adversário ficara reduzido a 10 unidades, por expulsão de Valdo mas, logo a seguir, o nosso José Mário foi também expulso. A expulsão do jogador do Belenenses foi justa mas o facto é que, perante a passividade do árbitro, foi ele que fora agredido um pouco antes; por outro lado, na sequência da atitude de José Mário, que esmurrou o jogador que primeiramente o agredira, também deveria ter sido expulso o benfiquista Ricardo, também ele agressor. Enfim, critérios....
As coisas pareciam estar a ficar feias para nós. No entanto, o Belenenses encheu o peito, foi lá à frente, ganhou um livre directo, e Juanico, a 30 metros da baliza, arrancou um tiro formidável (que andou semanas a passar na Eurosport) e a bola foi indefensavelmente para o fundo da baliza. Foi uma explosão ainda maior! Parecia quase irreal! Por isso, pessoalmente, nem festejei tanto como no primeiro golo; fiquei numa espécie de êxtase e a preparar-me para a previsível reacção benfiquista, usando as armas de que dispunha: a garganta para gritar Belém, as mãos para aplaudir ou agitar o pano azul.
No quarto de hora que faltava para os 90 minutos, e mais na meia dúzia de descontos, à tentativa esforçada do Benfica, respondeu o Belenenses com uma garra ainda maior. (Declarou Marinho Peres no final: “O Benfica é um grande clube mas para nos vencer, teria que ser ainda muito maior, maior do que ele próprio!”).
Foram 20 minutos em que sofremos, cerrámos os dentes, gritámos, chorámos, reclamámos “está na hora!”, enchemos o estádio de “Belém! Belém! Belém”, até que veio o apito final.
Depois, foi a grande festa, linda, sentida no fundo da alma. Um mar grandioso de bandeiras azuis, abraços intermináveis, como nunca mais vimos, caravanas automóveis por aqui e por ali, e uma alegria imensa, indizível!
O Belenenses dá-nos poucas alegrias, talvez...mas, quando dá, só nós, belenenses, sabemos que são incomparáveis e que vale a pena tudo aquilo por que passamos!
Tenho pena de já não ter chegado a tempo à “nossa” Praça Afonso de Albuquerque, para a celebração naquele nosso local de culto. Ficámos retidos nas filas de automóveis.
E, mais ainda, tenho pena de o Belenenses não ter aproveitado aquela vitória para se promover, puxar pela sua imagem, reivindicar a recuperação do estatuto de grande (fechava-se uma década em que os Campeonatos e Taças tinham ido só para Porto, Benfica, Sporting e Belenenses) – um erro crasso, difícil de compreender e aceitar – e de ter desinvestido e perder ambição, em vez de “ir por aí acima”...
A terminar, permitam-nos uma nota pessoal. Nunca esquecerei aquela final por várias razões, entre as quais ressalta esta: foi o dia em que fui com o meu pai ver uma grande vitória do Belenenses, o único grande troféu futebolístico que o Belém conquistou estando ambos vivos. Ele morreria meses depois, e eu nunca, nunca, nunca esquecerei o abraço que trocámos na hora daquela vitória! Espero que, ao menos um dia que seja, possa celebrar uma vitória no mínimo tão grande, abraçado ao meu filho! E nisso, certamente, sou idêntico a muitos belenenses...
OS MOMENTOS MARCANTES (com som)
O primeiro golo
O golo da vitória
O fim do jogo
Levantar a Taça
A festa dos BELENENSES
O primeiro golo
O golo da vitória
O fim do jogo
Levantar a Taça
A festa dos BELENENSES
1946 – Despedida de Rafael (campeão em 1946)
O ano de 1948 assistiu ao termo da carreira de vários dos campeões de 1946. Foi o caso de Mariano Amaro, Artur Quaresma e, nesta data, de Rafael Correia.
“Eu, no Belenenses, joguei sempre por gosto. Noutro clube, estou certo que depressa me aborreceria de um futebol jogado por obrigação”, declarou Rafael. Eram estes, na maioria, o perfil e a têmpera dos nossos campeões, homens de acrisolado amor ao Belenenses.
Rafael serviu o nosso clube durante 16 anos! Como Amaro, Quaresma e vários outros da mesma geração, foi uma vez Campeão Nacional (uma vez Vice-Campeão), duas vezes Campeão de Lisboa, ganhou uma Taça de Portugal e esteve em mais duas finais, foi ainda finalista vencido de um Campeonato de Portugal. Brilhou nos jogos com o Real Madrid, incluindo a inauguração do estádio do gigante espanhol.
Pela Selecção Nacional A, foi internacional por seis vezes: realizou um jogo em 1938 (6 de Novembro com a Suiça), um jogo em 1939, três jogos em 1945 e mais um, o último, em 14 de Abril de 1946, integrando o contingente de cinco jogadores do Belennses na equipa que venceu a França por 2-1. Ilustramos, com imagem, um desses jogos.
A festa de despedida incluiu jogos entre o Oriental e o Atlético, uma equipa de jovens belenenses e um misto de jogadores de outros clubes e, por fim, entre o Belenenses e o Elvas (perdemos por 2-3).
Para Rafael e todos os que serviram o Belenenses como ele o fez, a nossa gratidão nunca será demais.