Por Vitor Gomes
Do livro Factos, nomes e números da História de Os Belenenses, Primeiro Volume de Acácio Rosa:
"Foi em 29 de Janeiro de 1928 que se realizaram no campo do Belenenses (Salésias) os primeiros jogos oficiais a contar para o campeonato de Lisboa, às 13 horas jogaram Bom Sucesso-Sporting e às 15 horas Belenenses-Carcavelinhos (...)
Eis a opinião de Ribeiro dos Reis sobre o campo:
Não obstante a chuva que caiu durante a noite, o terreno de jogo estava excelente, o que demonstra o cuidado que presidiu à sua construção. O rectângulo de jogo é amplo e desafogado. O plano inclinado para os peões é o mais vasto de todos os nossos campos e, quando devidamente acabado, deve, em dias de grandes enchentes, produzir um magnífico aspecto.
O campo ainda não tem bancadas. Provisoriamente foram utilizados para o efeito uns bancos corridos ao longo do «touch»."
Nove anos depois, em 24 de Abril de 1937, foi o campo das Salésias remodelado e melhorado com a construção de uma bancada coberta, balneários e dignas acomodações para os atletas e inovadoramente, relvado.
Passou desde essa altura a chamar-se Estádio José Manuel Soares em homenagem ao desditoso Pepe.
Até à inauguração do Estádio Nacional em 1944 foi o principal estádio do país preferido para jogos internacionais e Taça de Portugal.
Já são poucos os belenenses que se recordam daquele estádio e das suas cores. Tal como outras glórias da história, hoje só restam ruínas que cortam o coração a quem as vê e mentalmente tenta reconstituir o que foi durante muitos anos o orgulho dos belenenses.
Há actualmente clubes da primeira liga que possuem campos em que se sentem importantes, mas que certamente teriam forte abatimento, quando comparados com aquele que foi há cinco décadas imolado às exigências duma urbanização que nunca se realizou.
Nunca deixei de sentir a saudade do prazer na romaria às Salésias. A esmagadora maioria dos belenenses eram da Ajuda, Pedrouços, Algés e obviamente Belém. Não havia problemas de estacionamento porque toda a gente ia a pé ou de eléctrico. Era um espectáculo ver aquelas ruas pejadas de gente, especialmente a antiga rua das Casas do Trabalho.
Eu não ia tantas vezes como desejaria, pois era um miúdo sem proventos. O meu pai ligava pouco ao desporto e ainda por cima era do Benfica. Ligeiramente, mas era. Mesmo assim fui às Salésias muitas vezes pela sua mão.
O meu apego ao Belenenses foi uma pura atracção, instinto de ligação com a aproximação da origem no ambiente que me rodeava. A minha escola primária distava pouco mais duma centena de metros das Salésias e as escassas escapadelas da miudagem eram para dar uns toques na bola de trapos no “ Pátio das Vacas” ou ir numa espreitadela ao nosso estádio.
Havia outras coisas que me colaram ao Belenenses. O facto de ver alguns jogadores com frequência (o Serafim passava à minha porta de e para o casalinho da Ajuda) e especialmente de quase todos à minha volta serem azuis. Só anos mais tarde com o estatuto de trabalhador-estudante e liberto de dependência financeira, entraria para sócio do Belenenses, logo a seguir à inauguração do Restelo.
Quando ia às Salésias era quase sempre para o peão, o qual tinha uma visibilidade perfeita dado o seu plano uniformemente inclinado, com piso de jorra e terra batida. E estava quase sempre cheio. Maioritariamente por belenenses. Rebentava pelas costuras quando lá iam o Sporting, Benfica ou Atlético.
Recordo a ansiedade de entrar no recinto e o receio instintivo de passar junto aos cavalos com GNR em cima, com as suas longas espadas e cara de poucos amigos. Eram diferentes da GNR de hoje. Afinal eram um dos braços armados do regime e não poucas vezes pisavam e atropelavam quem estivesse perto, à mais pequena manifestação de alvoroço.
Quando o estádio do Restelo foi inaugurado é inegável que houve um enorme sentimento de orgulho. Tínhamos também um estádio compatível com a dimensão do clube. Para os belenenses e para quem vinha de fora era sem dúvida o mais belo estádio dos quatro grandes.
As Salésias foram inevitavelmente esquecidas, até porque em breve ali haveria um complexo urbanístico que afinal nunca existiria até aos dias de hoje, 50 anos passados.
Anos mais tarde voltei a passar no local do nosso antigo estádio, mas não tive coragem de lá entrar. Um grande edifício escolar ocupa parte do parque desportivo. Foi o meu filho, há muito pouco tempo que me mostrou fotos das ruínas e da imundice em que nos dias de hoje agoniza aquele que em tempos foi o primeiro campo do país.
Lá fui, de máquina fotográfica deambulando com pranto íntimo pelo lixo, imundice e desleixo, naquela vasta área que era suposto ser, desde os anos 50, um conjunto harmonioso e confortável.
Nunca mais voltarei aquela lixeira, retrato desta república bananalizada. As fotos estão aqui. São o retrato do país que temos. Apenas quero manter viva dentro de mim a recordação dos meus tempos de menino em simbiose com aquela parte tão importante do meu amor ao Belenenses.