Por Vitor Gomes
Aproxima-se uma efeméride. As efemérides recordam situações ou coisas agradáveis mas também revivem ocorrências desagradáveis. Por norma uma efeméride revive acontecimentos dum determinado dia ao longo dos tempos. A efeméride não tem obrigatoriamente dimensão longitudinal, logo não tem volume temporal, tanto pode ser de ano a ano, mês a mês ou semana a semana. A efeméride a que me refiro é recente de há poucos dias e não tem nada de agradável. Mas não pode deixar de ser considerada e de se manter viva no nosso espírito por muito que o faça sangrar: o Belenenses novamente na II divisão.
Na noite/madrugada de domingo já não tinha lágrimas para deitar. Lágrimas líquidas, porque as outras continuam e continuarão por muito tempo. Agora estou mais frio, não conformado mas aquietado. A serenidade a que me entreguei ofereceu-me um conjunto de sentimentos que gostaria de compartilhar.
Vou dividi-los em grupos e dissecar a sua substância.
1 – Aos Belenenses
Costuma-se dizer, e nada é mais certo, que é nos momentos difíceis que se conhecem os amigos. Um enfermo que se sente abandonado tem meio caminho andado para o fim. Como entidade global e histórica o nosso clube precisa da nossa ajuda. O Belenenses não morreu (não, não estou de acordo consigo neste ponto CPA, mas já lá iremos). O Belenenses não morrerá nunca. O espírito das recordações sobrepõe-se à parte material. Luís de Camões, Fernando Pessoa, Napoleão ou mais apropriadamente Artur José Pereira, Pepe ou Matateu não morrerão nunca porque libertaram-se da matéria mas deixaram-se ficar no nosso espírito.
Os sócios devem ficar, os ex-sócios devem voltar e os restantes ingressar e apoiar. Li nos blogues, ouvi no domingo quem queira rasgar o cartão de sócio e deitá-lo ao lixo. Que me perdoem a analogia, mas isso é o mesmo que cuspir na estátua do Pepe, escarrar na sepultura do Artur, do Pepe e do Matateu, ou ir à sala dos troféus e dar uma bofetada na Ana Linheiro.
As causas do nosso estado de espírito têm autores. Vamos julgá-los, vamos repensar e sobretudo reparar os seus erros. Mas para isso precisamos de matéria humana, de corações a bater.
2 - Aos responsáveis do Belenenses
Aqui só me vou dirigir a uma pessoa. Ao presidente da Direcção. Os outros, que me perdoem se entre eles há algum que sinta injustiça nestas considerações, não merecem sequer ser referidos.
Presidente Cabral Ferreira, o senhor é boa pessoa. Tenho muita honra em o conhecer pessoalmente. Além de boa pessoa é uma boa pessoa educada. E tem coragem. Na madrugada de segunda-feira pela segunda vez vi-o afrontar os apupos e a indignação dos adeptos. A primeira vez foi num dos jogos perdidos estupidamente no Restelo. Mas esses predicados por si só são insuficientes para o seu cargo. Ainda que eu seja mais velho, estamos ambos num escalão etário que nos obriga a ter experiência. Essa experiência traduz-se nos pontapés e nas lambadas que já levámos na vida.
Permita-me que lhe diga que tem de ser duro, muito duro se for preciso, e está visto que é mesmo preciso. Tem de disciplinar os que de si estão dependentes, sejam eles directores, treinadores, massagistas ou jogadores.
Na minha opinião, na opinião de muitos belenenses que já o disseram centos de vezes, tem de remodelar o seu elenco. Para isso deveria demitir-se e demitir em consequência toda a Direcção. Depois, propor uma desinfecção, melhor, uma desparasitação e mudar radicalmente os pássaros nos poleiros. Aí julgo que teria apoio maioritário dos associados.
3 - Aos bloguistas
Começo por me dirigir ao CPA, por que tenho estima não só pela pessoa que é como pelo que escreve. O seu estilo e argumentos contundentes são necessários e desejáveis e sempre os apreciei. Assim como apreciei o último artigo com o qual concordo quase em tudo menos em dois pontos. Como já disse acima não concordo com a certidão de óbito do Belenenses. As razões já as disse. O outro ponto é o seu afastamento, o seu auto-exílio. E isso leva-nos à blogosfera. Vivemos numa época em que temos o privilégio de à distância de um click, podermos dar a nossa opinião, ler as opiniões dos outros e sobretudo sentirmo-nos entre nós. Não aceito a sua despedida. O que seria se o Eduardo, o Nuno, o Pedro, o Abel, o Lacerda, Luciano, Oliveira, Amaral, os colaboradores, e os contestadores desertassem deste grande jornal onde se lêem assuntos que não são referidos no site oficial do clube e muito menos nos jornais comuns?
Nos últimos dias a dor, a revolta, a contestação, as lágrimas, a raiva e o desespero tomaram conta dos “ haloscans”. E foi salutar, foi a forma de soprar o que vai na alma de cada um, mesmo que por vezes se exagere na linguagem.
Se os blogues do Belenenses se finarem o que vamos ter? Jornal do clube não há. Um site com características amplas de divulgação e debate, não há.
Não se deixe morrer CPA. Se quiser, para não voltar com a palavra atrás, renasça com outro nome PCA, ACP, CAP, ou até com o seu, mas volte que por mim está perdoado.
4 - Aos jornais e restante C.S.
Vocês, jornais, rádio e televisão, poucas palavras merecem. Quem escreve está doutrinado num rumo conhecido e quem publica está enfeudado a 3 clubes. Estão a matar o futebol e ainda não deram por isso. Talvez acordem quando as 3 “substâncias fulcrais” ficarem a jogar só entre si. Nessa altura talvez vocês não tenham matéria para fazer um jornal e tenham de se dedicar a escrever folhetins que depois de atados com um cordel tenham de vender à esquina da rua.
Claro que há excepções na vossa nobre profissão. Destes não faz parte certamente aquele brilhante cronista do Record apresentado há dias pelo Eduardo Torres:
“O Belenenses desceu. Incrível. Tal como o Guimarães, tinha um projecto europeu para esta época. É o que dá a mania das grandezas. Ponto final. Parágrafo”.
Expressões destas espelham bem a estupidez e a ignorância dum calhau escrevedor que não sabe quem são o Belenenses ou o Guimarães.
5 - Aos jogadores
Todos sabemos que vocês são mercenários. Não sentem a camisola que vestem, para vós é uma farda que lhes dão. Mas podem ao menos ter dignidade e mostrar que estão vivos e procuram ser bons profissionais. No Belenenses, com algumas poucas excepções, e eles sabem quem são, tivemos quase sempre um grupo de “zombies” deambulando pelo campo, desejosos que a bola estivesse longe de si.
É certo que lhes faltou um sargento instrutor para chafurdarem na lama do desespero. E a esse sargento que não existiu, faltou um general com voz grossa e autoritário.
Há muitos culpados, neste estado de coisas não são só vocês. Mas que a parte de leão é vossa, não tenham dúvidas.
Quanto ao treinador…qual treinador? Mas o Belenenses teve um treinador? Será que aquele senhor que gostava de aparecer na televisão alguma vez se convenceu que era treinador?
Termino no teor com que comecei. Não quero plagiar o comunicado da direcção, não me identifico com ela e até me dá repulsa ver tanta lata depois de tudo isto. Mas tenho um conceito de que caímos mas vamos levantar-nos. De cabeça erguida. Para isso é necessária a união de todos, os que já eram, o regresso dos que já foram e a vinda dos que devem vir.
Como tantas vezes aqui é dito: Belém até morrer!