Tudo começou quando descobri que a minha vida profissional implicava uma deslocação à zona do Porto na precisa Segunda Feira em que jogávamos em Penafiel.
Com a característica de idealista teimoso que em mim abunda, meti na cabeça que haveria de aproveitar para ver o nosso Belém nesse dia, custasse o que custasse, embora soubesse de antemão que a tarefa que me estava destinada por certo entraria pelo fim de tarde/noite adentro e que, mesmo assim, ainda distava de Penafiel largas dezenas de Kms. Contra as evidências, meti na cabeça que arranjaria uma solução.
Assim aconteceu.
O relógio marcava as 20H45 quando a minha actividade profissional se deu por completa.
As contas, já feitas de antemão e esticadas até ao máximo de segurança do velocímetro, ditavam a dura realidade de só poder ver, quanto muito, parte da segunda parte.
Não interessava. Fiz-me à estrada.
Terei entrado na A4 já intervalo adentro, escassos minutos antes do começo da 1º parte.
Por essa altura, já o meu amigo Abel Vieira, me confirmava por telemóvel o 0-1 ao intervalo.
Pressenti que a noite haveria de ser de euforia.
Passei Valongo, Paredes, a saída para Gondomar, ao mesmo tempo que fazia e refazia os cálculos. Apanhei o primeiro calafrio quando uma placa me disse que faltavam ainda 20Km para a área de serviço de Penafiel.
Desesperei, mas não desisti.
Felizmente, Penafiel fica mais de 10 Kms antes da sua área de serviço.
Minutos depois, no meio da escuridão que é a A4, vi quatro enormes focos de luz que só poderiam ser as de um estádio. Estava apenas a 5 kms de distância. Já haviam 10 minutos da 2ª parte.
Valerem-me as rigorosas indicações do portageiro – “vire à sua direita, saí na segunda na rotunda e sobe, nos bombeiros, vira à esquerda. São 200 metros até ao estádio” – Em mais cinco minutos estava a invadir o primeiro quintal penafidelense perto do estádio capaz de acolher o meu carro.
Corri ladeira abaixo.
Os gritos já familiares da FA indicaram-me o topo que tem bancada e para onde me deveria dirigir. Eram também sinal de que deveríamos estar a ganhar. As bilheteiras eram ali mesmo.
Cheguei no preciso momento em que uma empresa de segurança fechava a caixa e se empacotavam os bilhetes não vendidos.
“Já estamos fechados” – disse-me um jovem de auricular.
“Não. Não. É que eu tenho que comprar um bilhete. Vim de propósito de Lisboa para ver o Belenenses. Ali para o sítio dos adeptos do Belenenses. Desculpe lá. Tem de me arranjar um bilhete. Quanto é?” – respondi com um ar de tal forma tresloucado que o jovem da bilheteira suspirou e acedeu a tirar o elástico do molho dos bilhetes não vendidos.
“São 10 Euros”.
Puxei do porta moedas e vi uma nota de 5 – enorme calafrio. Remexi no espaço das moedas. Contei 4 Euros e 53 cêntimos – redobrado calafrio.
“Não tenho que chegue. Onde há um Multibanco?” – gritei.
“Aqui perto. Está de carro não está?”
Expliquei que sim, mas que era impossível porque tinha o carro lá em cima. Não tinha tempo para ir ao carro, ir ao multibanco, regressar e estacionar o carro outra vez. Não veria nada do jogo.
“Eu passo-lhe um cheque” – propus, mais tresloucado ainda.
O jovem de auricular suspirou novamente. “Espere um pouco. Vou tentar resolver a situação” – e, através do aparelho que tinha o auricular, começou a falar com um tal de “Falcão Dois”.
“Allo allo Falcão Dois …. allo allo Falcão Dois ... tenho aqui uma situação … de um adepto do Belenenses que veio de propósito de Lisboa e que não tem dinheiro que chegue para entrar no estádio… preciso de saber se posso resolver a situação mandando entrar o adepto”.
“Diga-lhe que passo um cheque se for preciso” – acrescentei, para não largar esta nesga de hipótese de entrar e assim cair nas boas graças do “Falcão Dois”.
Seja ele quem for, o “Falcão Dois”, deve ser um tipo imensamente porreiro.
O jovem do auricular começou a abanar afirmativamente a cabeça e a dizer “Ok ok entendido Falcão Dois entendido ok”.
“Olhe, não é preciso pagar, entre ali no sector oito e diga que vai da parte do ….” (já me esqueci o nome)”
Agradeci e corri para o Sector 8 ao mesmo tempo que um enorme coro de vozes gritava “goooolo” das bancadas. Avaliei a intensidade e temi que fosse o 1-1.
Continuei a correr, dobrei a porta do Sector 8 com recurso à minha “senha”, ao mesmo tempo que ouvia os gritos de “Belém! Belém!” – “se calhar, foi nosso” - pensei.
E foi mesmo. Sprintei até ao primeiro pastel que vi no topo da bancada e perguntei o resultado. “Há 2-0 para o Belém” – disse-me, com o mesmo ar de felicidade que se via nas caras das dezenas dos nossos que lá estavam.
No instante em que me virei para o relvado, uma bola chutada por Meyong desenhava um arco por cima do guarda redes. Tiro-lhe as medidas e confirmo que vai entrar. Galgo os 3 degraus à minha frente a celebrar o Golo. O delírio. 3-0. Estava no céu!
Grassou a festa naqueles vinte e tal minutos que ali estive. Domínio absoluto.
Confiança. Bom futebol. Pastéis em delírio. Algumas dezenas apenas, mas suficientes para um ambiente em grande.
Acabou o jogo e dirigi-me para a superlotada taberna em frente ao estádio onde o povo penafidelense bebia para esquecer. Os pastéis chegavam e misturavam-se com facilidade. O ambiente era magnífico. É bom ser de um clube assim.
Ao balcão chegavam enormes copos de um vinho branco verde excelente. Acompanhei-os com o meu jantar – um pires de moelas – que haveria, imaginem só, de partilhar com o conhecido “Emplastro”, que de cachecol azul, se assomou ao balcão e educadamente me perguntou se podia comer também do meu pires ao mesmo tempo que pedia um sumol de laranja.
“Faça favor” – disse-lhe.
Enquanto o Emplastro reduzia com um palito o meu parco jantar, pago com a nota de 5Euros que o jovem de auricular e o Falcão Dois gentilmente me mantiveram no bolso, foi a tasca pacificamente invadida pela FA aos gritos de “Belém Belém”.
O Emplastro, a quem tentei explicar com um sucesso relativo que o melhor azul não tinha riscas, tentou acompanhar os nossos gritos, mas com pouco jeito.
Os copos daquele fantástico vinho sucederem-se e foi num ambiente eufórico que subi a ladeira de regresso ao quintal onde estava o meu carro, meti o CD com as músicas do Belém tiradas do site e regressei ao Porto ao som estridente do nosso Hino e do das “Salésias ao Restelo” repetidos à exaustão.
O Nuno Gomes, a quem contei esta história na viagem de regresso, disse-me para a escrever ainda sob os efeitos daquele vinho.
Não consegui.
Estava a dormir, extenuado, 2 minutos depois de cair na cama.
Não me lembro do que sonhei, mas de certeza que foi com o Belém e com a sorte que tenho em ser Pastel.
CPA
P.S.: Existe na posse de um conhecido membro da FA, um pequeno artefacto que gentilmente cedi, em resposta a apelo expresso do próprio feito a vários na bancada, para cumprimento de uma promessa pessoal, pela matança do “borrego” penafidelense.
Espero que lhe tenha sido útil e que lhe continue a servir na matança de outros futuros "borregos".
Com a característica de idealista teimoso que em mim abunda, meti na cabeça que haveria de aproveitar para ver o nosso Belém nesse dia, custasse o que custasse, embora soubesse de antemão que a tarefa que me estava destinada por certo entraria pelo fim de tarde/noite adentro e que, mesmo assim, ainda distava de Penafiel largas dezenas de Kms. Contra as evidências, meti na cabeça que arranjaria uma solução.
Assim aconteceu.
O relógio marcava as 20H45 quando a minha actividade profissional se deu por completa.
As contas, já feitas de antemão e esticadas até ao máximo de segurança do velocímetro, ditavam a dura realidade de só poder ver, quanto muito, parte da segunda parte.
Não interessava. Fiz-me à estrada.
Terei entrado na A4 já intervalo adentro, escassos minutos antes do começo da 1º parte.
Por essa altura, já o meu amigo Abel Vieira, me confirmava por telemóvel o 0-1 ao intervalo.
Pressenti que a noite haveria de ser de euforia.
Passei Valongo, Paredes, a saída para Gondomar, ao mesmo tempo que fazia e refazia os cálculos. Apanhei o primeiro calafrio quando uma placa me disse que faltavam ainda 20Km para a área de serviço de Penafiel.
Desesperei, mas não desisti.
Felizmente, Penafiel fica mais de 10 Kms antes da sua área de serviço.
Minutos depois, no meio da escuridão que é a A4, vi quatro enormes focos de luz que só poderiam ser as de um estádio. Estava apenas a 5 kms de distância. Já haviam 10 minutos da 2ª parte.
Valerem-me as rigorosas indicações do portageiro – “vire à sua direita, saí na segunda na rotunda e sobe, nos bombeiros, vira à esquerda. São 200 metros até ao estádio” – Em mais cinco minutos estava a invadir o primeiro quintal penafidelense perto do estádio capaz de acolher o meu carro.
Corri ladeira abaixo.
Os gritos já familiares da FA indicaram-me o topo que tem bancada e para onde me deveria dirigir. Eram também sinal de que deveríamos estar a ganhar. As bilheteiras eram ali mesmo.
Cheguei no preciso momento em que uma empresa de segurança fechava a caixa e se empacotavam os bilhetes não vendidos.
“Já estamos fechados” – disse-me um jovem de auricular.
“Não. Não. É que eu tenho que comprar um bilhete. Vim de propósito de Lisboa para ver o Belenenses. Ali para o sítio dos adeptos do Belenenses. Desculpe lá. Tem de me arranjar um bilhete. Quanto é?” – respondi com um ar de tal forma tresloucado que o jovem da bilheteira suspirou e acedeu a tirar o elástico do molho dos bilhetes não vendidos.
“São 10 Euros”.
Puxei do porta moedas e vi uma nota de 5 – enorme calafrio. Remexi no espaço das moedas. Contei 4 Euros e 53 cêntimos – redobrado calafrio.
“Não tenho que chegue. Onde há um Multibanco?” – gritei.
“Aqui perto. Está de carro não está?”
Expliquei que sim, mas que era impossível porque tinha o carro lá em cima. Não tinha tempo para ir ao carro, ir ao multibanco, regressar e estacionar o carro outra vez. Não veria nada do jogo.
“Eu passo-lhe um cheque” – propus, mais tresloucado ainda.
O jovem de auricular suspirou novamente. “Espere um pouco. Vou tentar resolver a situação” – e, através do aparelho que tinha o auricular, começou a falar com um tal de “Falcão Dois”.
“Allo allo Falcão Dois …. allo allo Falcão Dois ... tenho aqui uma situação … de um adepto do Belenenses que veio de propósito de Lisboa e que não tem dinheiro que chegue para entrar no estádio… preciso de saber se posso resolver a situação mandando entrar o adepto”.
“Diga-lhe que passo um cheque se for preciso” – acrescentei, para não largar esta nesga de hipótese de entrar e assim cair nas boas graças do “Falcão Dois”.
Seja ele quem for, o “Falcão Dois”, deve ser um tipo imensamente porreiro.
O jovem do auricular começou a abanar afirmativamente a cabeça e a dizer “Ok ok entendido Falcão Dois entendido ok”.
“Olhe, não é preciso pagar, entre ali no sector oito e diga que vai da parte do ….” (já me esqueci o nome)”
Agradeci e corri para o Sector 8 ao mesmo tempo que um enorme coro de vozes gritava “goooolo” das bancadas. Avaliei a intensidade e temi que fosse o 1-1.
Continuei a correr, dobrei a porta do Sector 8 com recurso à minha “senha”, ao mesmo tempo que ouvia os gritos de “Belém! Belém!” – “se calhar, foi nosso” - pensei.
E foi mesmo. Sprintei até ao primeiro pastel que vi no topo da bancada e perguntei o resultado. “Há 2-0 para o Belém” – disse-me, com o mesmo ar de felicidade que se via nas caras das dezenas dos nossos que lá estavam.
No instante em que me virei para o relvado, uma bola chutada por Meyong desenhava um arco por cima do guarda redes. Tiro-lhe as medidas e confirmo que vai entrar. Galgo os 3 degraus à minha frente a celebrar o Golo. O delírio. 3-0. Estava no céu!
Grassou a festa naqueles vinte e tal minutos que ali estive. Domínio absoluto.
Confiança. Bom futebol. Pastéis em delírio. Algumas dezenas apenas, mas suficientes para um ambiente em grande.
Acabou o jogo e dirigi-me para a superlotada taberna em frente ao estádio onde o povo penafidelense bebia para esquecer. Os pastéis chegavam e misturavam-se com facilidade. O ambiente era magnífico. É bom ser de um clube assim.
Ao balcão chegavam enormes copos de um vinho branco verde excelente. Acompanhei-os com o meu jantar – um pires de moelas – que haveria, imaginem só, de partilhar com o conhecido “Emplastro”, que de cachecol azul, se assomou ao balcão e educadamente me perguntou se podia comer também do meu pires ao mesmo tempo que pedia um sumol de laranja.
“Faça favor” – disse-lhe.
Enquanto o Emplastro reduzia com um palito o meu parco jantar, pago com a nota de 5Euros que o jovem de auricular e o Falcão Dois gentilmente me mantiveram no bolso, foi a tasca pacificamente invadida pela FA aos gritos de “Belém Belém”.
O Emplastro, a quem tentei explicar com um sucesso relativo que o melhor azul não tinha riscas, tentou acompanhar os nossos gritos, mas com pouco jeito.
Os copos daquele fantástico vinho sucederem-se e foi num ambiente eufórico que subi a ladeira de regresso ao quintal onde estava o meu carro, meti o CD com as músicas do Belém tiradas do site e regressei ao Porto ao som estridente do nosso Hino e do das “Salésias ao Restelo” repetidos à exaustão.
O Nuno Gomes, a quem contei esta história na viagem de regresso, disse-me para a escrever ainda sob os efeitos daquele vinho.
Não consegui.
Estava a dormir, extenuado, 2 minutos depois de cair na cama.
Não me lembro do que sonhei, mas de certeza que foi com o Belém e com a sorte que tenho em ser Pastel.
CPA
P.S.: Existe na posse de um conhecido membro da FA, um pequeno artefacto que gentilmente cedi, em resposta a apelo expresso do próprio feito a vários na bancada, para cumprimento de uma promessa pessoal, pela matança do “borrego” penafidelense.
Espero que lhe tenha sido útil e que lhe continue a servir na matança de outros futuros "borregos".