A propósito desta efeméride tinhamos a intenção de fazer algo diferente. E fizemos.
Foi com enorme satisfação que vi o nosso convite ser aceite. Pretendíamos uma conversa, entrevista ou como lhe queiram chamar, com o próprio Sambinha.
Por isso só podemos agradecer esta oportunidade que nos deu, junto com toda a disponibilidade, colaboração e ajuda na preparação deste artigo, sem esquecer a extrema abertura e simpatia com que nos recebeu.
Este sentimento gratidão é extensível, e muito, ao seu filho Diogo, no fundo o grande responsável pelo contacto, a grande ponte para uma figura que ajudou a marcar uma época no Belenenses. O Diogo é um indefectível Belenense, presença habitual no Estádio do Restelo e em muitos outros onde jogue o Belenenses. Para ele também o nosso muito obrigado pela oportunidade que nos proporcionou e por toda colaboração. Foi uma experiência para guardar para sempre.
Parabéns Sambinha!
No Lobito, Angola, nascia nesta data em 1955, Raúl Ferreira dos Santos.
Alguns anos mais tarde, nasceria para o futebol no Lusitano do Lobito. “Sambinha” graças a um espectador habitual dos jogos do Lusitano que, ao assistir a uma jogada sua e vendo o seu jeito gingão, terá exclamado: "parece que está a dançar o samba!". Nascia assim o nome que o acompanharia durante toda a sua carreira: Sambinha.
Jogava ainda nos juniores do Lusitano do Lobito, quando Pirralho, um ex-jogador do Belenenses o viu em acção. Pirralho que também jogava no Lusitano (seniores), ficou tão impressionado que insistiu fortemente com o Belenenses para que o viessem observar. O que veio a acontecer numa digressão que o Belenenses efectuou pouco depois a Angola.
Apesar de Sambinha não ter jogado, ao contrário do que era habitual e por razões que desconhece ainda hoje, o Belenenses confiou no “observador” ao ponto de estabelecer um acordo verbal com o Lusitano e com os pais do jogador.
Era ainda muito novo, pelo que os pais apenas autorizaram a sua vinda para Lisboa na condição de não abandonar os estudos. O Belenenses pagaria alojamento e um ordenado de um conto e quinhentos. Estávamos em 1972.
Mas os primeiros tempos, para o jovem Raúl, um estudante de apenas 17 anos de idade, não foram nada fáceis.
Uma adaptação complicada, ainda mais dificultada e muito pela distância de milhares de quilómetros da família. Um país completamente diferente de tudo o que conhecera até então, um clima que lhe era totalmente estranho.
Passados apenas dois ou três meses da sua chegada, Raúl estava praticamente decidido a desistir e voltar para trás.
Impediram-no então de o fazer (e em boa hora) as amizades que, pouco a pouco, começara a criar entre os companheiros de equipa e na zona onde morava – a Ajuda – e que o foram convencendo a ficar, valendo-lhe nos piores momentos.
Mesmo no campo de jogo, Sambinha sentia que as coisas não lhe corriam muito de feição. Ou melhor, como o próprio achava que deveriam correr por forma a que lhe fosse dada oportunidade de singrar. Chegou mesmo a duvidar que, após a primeira época efectuada como júnior, fosse possível assinar como sénior. Sentia que estava ainda longe do seu nível habitual e que lhe abrira a portas do Belenenses.
Foi com alguma surpresa e especial satisfação que, no final dessa época, recebeu uma proposta para a assinatura de um contrato de 2 anos, como sénior.
Assume totalmente a sua condição de lutador incansável agarrando a oportunidade com todas as suas forças. Consequência natural ainda que inesperada, foi a sua estreia ainda nesse mesmo ano (1973/74) na primeira categoria, num Belenenses – Vitória de Guimarães, jogo que o Belenenses venceu por 2-0. Tinha apenas 18 anos.
Do Belenenses Vice-campeão de 1972/73, tem, portanto uma recordação indirecta pois jogava ainda pela equipa de juniores.
Da época de 1975/76 e da conquista do terceiro lugar guarda grandes recordações. Dessas recorda, com grande saudade, o jogo em que o Belenenses venceu o Benfica, no Restelo por 4-2, perante uma estrondosa assistência de 50 ou 60 mil pessoas. Uma vitória que colocou então o Belenenses na liderança do Campeonato.
Sambinha viveu, aliás, uma situação curiosa ligada a esse jogo.
O Belenenses – Benfica foi disputado num Domingo. No dia anterior, tanto Sambinha como Pietra haviam-se casado. Nesse mesmo dia ainda haviam de se juntar à equipa que estava em estágio. No dia seguinte toda a emoção relacionada com um momento tão importante e marcante na vida, como é o casamento, não impediu estes dois jogadores de dar o seu contributo ao melhor nível, ajudando a equipa a bater o Benfica, sem margem para dúvidas e com uma exibição memorável.
Altos e Baixos
Pedimos a Sambinha que lembrasse os momentos mais marcantes da sua carreira. Recorda com satisfação as várias chamadas de que foi alvo para representar as selecções nacionais, entre as quais destaca as duas participações no Torneio de Toulon.
Recorda com satisfação uma sua grande exibição, num jogo contra o Barcelona, em 29 de setembro de 1976, em Camp Nou, em que a crítica disse que, graças a ele, Cruyff nem "tocou na bola".
Note-se que neste Barcelona pontificavam nomes como Neeskens, Migueli, Rexach, Ascensi e Herédia, para não falar o próprio Cruyff.
Da mesma forma, relembra os 4-2 ao Benfica (já mencionados), a vitória 4-0 ao Porto em pleno Estádio das Antas. Também os 7-1 ao Braga no Restelo e, a maior goleada de que se recorda, os 17-0 ao Vila Franca dos Açores em jogo a contar para a Taça de Portugal.
Tudo isto sem esquecer, claro, a conquista da Taça Intertoto em 1975.
No lado oposto, as situações que mais o marcaram pela negativa, aponta sem dúvida a lesão que o afastou dos relvados durante um ano. Foi numa final da Taça de Honra da Associação de Futebol de Lisboa, disputada em Alvalade contra o Benfica. Um lance de golo eminente, com uma bola prestes a entrar na baliza do Belenenses, e Sambinha, como sempre, deu o corpo ao manifesto sacrificando a sua integridade física pelo Belenenses. O lance que disputou com o avançado benfiquista Reinaldo custou-lhe uma rotura total de ligamentos do joelho direito e um ano inteiro de recuperação. Sambinha recorda assim o quanto os jogadores de então se interessavam e batiam pelo emblema que representavam.
A par com este momento difícil surge outro, talvez o de maior comoção colectiva dos Belenenses em toda a história desportiva do Clube – a descida de divisão em 1981/82.
Custa-lhe muito relembrar esse momento.
Tempos difíceis
Sambinha recorda esses anos difíceis em que a partir de certa altura, o Belenenses começou a decair, acabando até por descer de divisão, em 81/82.
Eram tempos muito difíceis. Tempos em que os clubes viviam situações muito complicadas em termos financeiros. Por exemplo, o Belenenses realizava, havia anos, digressões a Espanha para assim, com os prémios de presença e de vitória suprir as dificuldades de tesouraria. Assim que acabavam as férias, os jogadores regressavam e partia-se imediatamente para essa digressões disputando o máximo de torneios e jogos possíveis, Melilla, Marbella, Gijon, etc, etc. Uma lista extensa. Disputavam-se dois, três, ou ainda mais torneios. Era no tempo em que não havia Bingo nem outras receitas milagrosas para desbaratar ou às quais recorrer.
Obviamente que a correcta preparação das épocas sofria com isto pois o plano de trabalho era orientado para estes torneios e não para a preparação de uma época desportiva longa, de nove meses. Daqui resultava a oscilação dos resultados e a menor preparação colectiva ou mesmo individual de ordem física.
Para ainda mais complicar a situação, o Belenenses, devido às referidas dificuldades financeiras fora obrigado ao longo desses anos a vender os passes de vários jogadores. Na maioria, jogadores importantes para o equilibrio da equipa.
Este declínio competitivo já vinha de uns anos antes, tendo em várias épocas vivido alguns momentos complicados do ponto de vista classificativo mas que, de uma forma ou de outra, foram temporariamente ultrapassados. Juntando estes factores estava montado o cenário para a descida.
Foi um início de campeonato atribulado que, recorda, se iniciou com um Sporting – Belenenses (2-2) de triste memória tal o Belenenses foi vítima de uma arbitragem premeditada que o impediu de todas as formas de o vencer tendo terminado o jogo com apenas 7 jogadores.
A saída de Artur Jorge para o Portimonense (o primeiro treinador), as dificuldades financeiras e a crise de resultados e os 7 ou 8 treinadores que orientaram a equipa nessa época, foram tantos os factores que contribuiram para atirar o Belenenses para a segunda divisão.
A saída do Belenenses
Em 1985/86, já sob o comando técnico de Henri Depireux (desde sensivelmente metade de 1984/85, Sambinha foi menos utilizado que habitualmente. Recordemos que nesse ano o Belenenses fazia a sua segunda época após o regresso à primeira divisão.
Já no ano anterior já fora, em parte da época, menos utilizado que o que até então era costume mas, nessa época em particular, ainda o foi menos. Tornava-se claro que o treinador não contava muito com ele.
Assim mesmo, Sambinha esperava continuar no Belenenses pelo menos por mais uma época, para final de carreira.
Sambinha tinha apenas 31 anos e conserva muito boa condição física. Sentia-se perfeitamente capaz de jogar mais 2 ou 3 anos ao nível habitual. Foi durante anos Capitão de Equipa.
No entanto o Belenenses não lhe viria a oferecer essa renovação de contrato.
Foi então convidado para treinar os juniores do Belenenses. Sentia que ainda tinha futebol nas pernas e que, com a idade que tinha, era cedo para terminar a carreira dessa forma. Por tudo isso e também por uma questão de personalidade e feitio, preferiu não aceitar o convite.
A verdade é que Sambinha esperava mais para quem como ele nunca deixou o Belenenses, apesar dos convites que lhe endereçaram e das propostas que teve para jogar noutros clubes, no momento mais negro da nossa história. Terá sido, aliás, o único jogador sobrevivente às épocas anteriores à descida de divisão em 1981/82 e das seguintes até à subida em 1983/84.
Saiu dessa forma, um pouco inglória, do Belenenses no final da época de 1985/86 após a disputa final da Taça de Portugal contra o Benfica. Foram 14 anos de camisola azul e cruz de Cristo ao peito.
Foi viver para a Póvoa do Varzim e reencontrou a alegria de poder jogar com mais regularidade, no Trofense, então a militar no segundo mais importante escalão nacional (à época denominado por 2ª Divisão Nacional). Fê-lo durante apenas essa época.
A época de 1986/87 foi excelente para Sambinha, para mais tendo em conta que foi a última época da sua carreira. O Trofense tinha uma equipa forte. Treinado por Fernando Mendes com quem já trabalhara no Belenenses, foi por muito pouco que não ascendeu à 1ª Divisão no final dessa época.
Com 32 anos abandonou a carreira de jogador. Radicou-se então em Valença do Minho onde ficaria durante cerca de 10 anos, antes de regressar a Lisboa, actual área de residência e trabalho. .
Treinadores e Companheiros de Equipa
Entre os treinadores que com quem trabalhou, os que mais o marcaram foram sem dúvida, Peres Bandeira, que sucedeu a Scopelli já no decorrer de 1973/74, muito porque foi este quem apostou em Sambinha para a equipa principal quando tinha apenas 18 anos.
Recorda também com saudade o tempo em que António Medeiros foi o treinador. Uma equipa que, sem grandes alardes de ordem técnica possuía uma forte consistência defensiva e grande eficácia, que lhe valeu, aliás, o epíteto de equipa do «patinho feio».
Finalmente, guarda também gratas recordações de Fernando Mendes, o primeiro treinador do Belenenses no ano do regresso à primeira divisão (1983/84) e a quem Jimmy Melia sucedeu ainda no início da época e que, como já foi referido, viria a reencontrar quando jogou no Trofense.
No que respeita aos companheiros de equipa, sempre se deu bem com a generalidade dos colegas que teve ao longo da carreira. O que decorria do seu feitio e a que acrescia uma realidade e companheirismo diferente da actual.
Existia uma grande camaradagem e entrega à profissão, que era então muitas vezes recheada de dificuldades. Existia amor à camisola.
Mesmo assim há sempre alguns colegas com quem, como é normal, se estabelecem relações especiais, mais próximas, que decorrem de factores como a proximidade dos locais em que residiam e do seu próprio ingresso e percurso enquanto jogadores do Belenenses. Como exemplos criou grandes amizades destacando entre essas, Freitas, Ernesto e Gonzalez.
Sambinha refere-se a Gonzalez como o melhor jogador com que jogou. Conta que Gonzalez veio da América do Sul para o Real Madrid e não pôde ficar nos quadros da equipa espanhola pois quando chegou já estava preenchido o máximo permitido de estrangeiros. Viria para o Belenenses graças às excelentes relações que existiam entre os dois clubes.
Belenenses de ontem, Belenenses de hoje
Sambinha recorda o Belenenses que conheceu por dentro caracterizando-o como muito diferente do que actualmente existe. Em todos os aspectos.
O Belenenses era um clube participado pelos adeptos. Mesmo no que apenas ao jogo em si diz respeito era muito diferente. Até cerca de finais dos anos 70 era muito forte a relação de um jogador com o clube. Jogava-se, apesar da total profissionalização, com muito amor à camisola, por mais dificuldades financeiras que houvesse então. E havia... Se havia...
O Belenenses de hoje acompanha-o com grande apreensão. Não vê grande qualidade, nos jogadores actuais, suficiente por si só para se impôr como equipa e é impossível não verificar que o Clube está de costas viradas para os adeptos que, por uma razão ou por outra ou por muitas juntas, se foram afastando ao longo dos últimos 15 a 20 anos.
No seu entender, o Belenenses precisa de bons jogadores técnica e moralmente. Jogadores que dêm tudo em campo. Tanto quanto precisa de uma boa organização. Que hoje não tem, numa clara desadaptação à realidade actual do futebol profissional.
Não lhe é possível, por motivos profissionais, acompanhar ao vivo os jogos do Belenenses, face aos horários que são praticados. Tenta, apesar disso, sempre que possível, acompanhá-los via TV. Isto apesar da grande proximidade geográfica com o Estádio do Restelo.
A última vez que assistiu a um jogo no Restelo foi no decorrer da época de 2003/2004. Também pela TV, acompanha inclusive jogos de outras modalidades que não o Futebol, como por exemplo o Basket, que aprecia.
1983 – Belenenses vence CSKA por 3-1
Numa época em que o Belenenses atravessava, desportivamente, o seu momento mais difícil, era mesmo assim frequente a disputa de encontros internacionais. Tanto em digressões ao estrangeiro como no Restelo frente a outras equipas do futebol europeu e mundial que, aproveitavam também as paragens dos seus campeonatos para não perder a forma e ganhar experiência internacional.
Assim recebeu o Belenenses, no Restelo, a conceituada equipa búlgara do CSKA de Sofia.
Recebeu e venceu de forma concludente.
Alinharam pelo Belenenses:
Figueiredo; Sambinha (capitão), Pereirinha, Hélder e Caíca: Ruben, Isima, Simões e Jorge; Bule e Avelar.
Substituições:
Entrou José Pedro para o lugar de Ruben, no início da segunda parte, e Edmilson para o lugar de Avelar, aos 70 minutos.
Ao intervalo o Belenenses vencia já por 2-0.
Golos:
Ruben (34’), Bule (41’), Sambinha (63’ p.b.) e Edmilson (72’).