quarta-feira, 24 de maio de 2006

Quero ser feliz, ou ter razão?

Uma daquelas histórias que navega na Internet aterrou recentemente no meu email, com o título Lição de Vida:

«Oito da noite numa avenida movimentada.

Um casal já está atrasado para jantar em casa de uns amigos.
A morada é nova, bem como o caminho que ela consultou no mapa antes de sair.
Ele conduz o carro.
Ela orienta e pede para que vire, na próxima rua, à esquerda.
Ele tem certeza de que é à direita. Discutem.

Percebendo que além de atrasados, poderão ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida. Ele vira à direita e percebe, então, que estava errado. Embora com dificuldade, admite que insistiu no caminho errado, enquanto faz o retorno. Ela sorri e diz que não há nenhum problema se chegarem alguns minutos atrasados.

Mas ele ainda quer saber:
- Se tinhas tanta certeza de que eu estava a ir pelo caminho errado, devias ter insistido um pouco mais...

Ela responde:
- Entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz. Estávamos à beira de uma discussão, se eu insistisse mais, teríamos estragado a noite!


MORAL DA HISTÓRIA

Esta pequena história foi contada por uma empresária, durante uma palestra sobre simplicidade no mundo do trabalho.

Desde que ouvi esta história, tenho-me perguntado com mais frequência:
"Quero ser feliz ou ter razão?" Ah... e outro pensamento parecido, diz o seguinte:
"Nunca se justifique. Os amigos não precisam e os inimigos não acreditam.”
»

Para mim esta história diz muito sobre o valer ou não a pena insistir naquilo em que acredito perante a apatia geral. Mesmo à posteriori e em face de resultados catastróficos seja evidente.

No chorrilho de asneiras, temo que não fiquemos por aqui. Tudo o que deve ser feito e ao longo de nove meses tem sido escrito aqui, como linhas de acção que entendemos fundamentais para recuperar o Belenenses, é continuamente ignorado.

Enquanto entidade colectiva assistimos, há anos, com especial agravamento nos últimos, impávidos ao esvaziamento e à queda. E não reagimos. Não como devíamos e seria nossa obrigação, pelo menos moral.
Viramos a cara e assobiamos para o lado. Mesmo agora. Mesmo descendo de divisão. Aquilo que é a negação da nossa existência enquanto Clube de Futebol. Pervertendo todos os princípios originais (e correctos).

É impossível assistir a isto tudo e a esta apatia com igual indiferença. São coisas que não se coadunam com o meu feitio. Tenho vivido tudo isto, o Belenenses, especialmente nesta época, com intensidade demais. Sofrido demais.

Não sou um iluminado nem me presumo mais inteligente que ninguém. Mas tenho como valores que me foram passados pelos meus Pais a capacidade de questionar, de reflectir e de agir em conformidade. Não me ensinaram a resignar e a acomodar-me e, vaidosamente, aceitar as migalhinhas mesquinhas de um poder impotente e caduco, antes pelo contrário.

Mas esta não é uma questão do foro individual. E não consigo afastar um pensamento recorrente e só à força de muita teimosia me vou forçando a continuar. Mais um pouco, pelo menos. Para quê?

A questão é colectiva. Dirão que fomos, Belenenses, empurrados para isto, para este estado de apoplexia de falta de reacção e de indignação e de quase total incapacidade de pensar e discutir o Clube de forma a projectá-lo no futuro. Faz parte do sistema incrustado. Mas a culpa é de quem se afasta, não vota, não participa. É a verdade!

Esta época foi, a todos os títulos, a mais penosa que por alguma vez passei. Apesar de ser a quarta descida. Talvez por saber que se gastou o que não havia, que o esforço e o risco eram enormes e só ver laxismo ou falta de capacidade de liderar e dar a volta à situação que nos arrastava para o fundo. Que este poderá ser o canto do cisne.

Tudo isto foi penoso demais. Não me esqueço onde passei as duas horas fatídicas, a andar de um lado para o outro, não conseguindo sequer chegar perto do rádio. A hora fatal em que peguei no telefone para saber e ouvi aquela resposta seca: “o Belenenses desceu”. É um momento que eu queria nunca mais ter de viver. Depois de saber como tudo se passou, o meu próprio sofrimento me pareceu pequeno quando comparado com os que puderam ir a Barcelos. Ver as suas caras de intenso pesar, de uma revolta calada, fez-me chorar ainda mais.

Se tudo isto servisse ao menos para que não mais se repetisse. Mas não. Três dias depois já não se falava nas consequências, já não se quer saber o porquê e já só se pensa na marca de equipamentos, nos nomes ventilados na CS ou em qualquer banalidade face ao descalabro total do Belenenses, desportivo, financeiro e associativo. A maior prova de uma estupidificação e esvaziamento de valores a que alguma vez assisti.

Outros, no passado, alertaram para tudo isto, Acácio Rosa dizia: “Meus Deus, somos tão poucos!”. Foi gozado, achincalhado, quase expulso. Que presunção poderia eu ter a que dessem ouvidos agora?

Sou dum Clube que tem medo de falar, tem medo ou falta de capacidade de pensar e que não tem fé nas suas capacidades. É normal, pois está absolutamente vazio da têmpera e mística clubista mas essencialmente dos valores que nos distinguiam dos demais. O Clubismo arreigado, um certo bairrismo saudável, mas uma identidade inabalável. Hoje assistimos à descaracterização a um nível que nem nos meus piores pesadelos julguei possível.

O Belenenses não está morto. Mas não está morto da mesma forma que não está morto no nosso espírito o nosso parente querido que faleceu e nos deixou sós.
A intensidade alegre, o sentimento de pertença a algo comum a muitos milhares, que se sentia ao ver a equipa entrar em campo, se apoiava a luta, é hoje um exercício de ginástica da memória.
Cumprem-se liturgias e velhos hábitos apenas por cerca de dois milhares de resistentes e mesmo assim pode ser um número exagerado. E nada mais.

O Belenenses já não mora aqui, mas apenas na nossa memória, na daqueles que escolhem e se esforçam para a ter. O que vemos é uma caixa vazia de alma e de valores. Devolvê-lo à vida (à vida não é aos últimos seis anos de mentira) é algo que me parece impossível. Não vejo ninguém com essa capacidade e que esteja em condições.
Resta-nos o milagre. Porque nos homens já não acredito.

"Quero ser feliz ou ter razão?" é uma pergunta que me ecoa no pensamento e que, no meio de tanta “toinice”, ignorância e indecência a resposta lógica só pode, a prazo, ser uma...