quinta-feira, 29 de junho de 2006

Neste dia, em . . .

1961 – Resgate do Estádio do Restelo

Subjacente ao assunto hoje aqui abordado, está toda a informação, apresentada em muitos dias anteriores referente ao modo como nos foram concedidos terrenos das Salésias, a obra magnífica e pioneira que ali realizou o Belenenses, o modo como fomos intimados a sair e sem indemnização – contrariamente aos outros dois grandes clubes lisboetas –a pedreira que nos foi facultada como local para construir o Restelo, o nosso belo estádio construído com tanto sacrifício, e o modo como o Belenenses, incapaz de fazer face às dívidas contraídas para a construção e aos pagamentos a que estava obrigado diante da Câmara Municipal de Lisboa, se viu obrigado a abrir mão da sua casa.

Em todo o processo, transparece o tratamento desigual que o Belenenses recebeu da Câmara Municipal de Lisboa, em comparação com o Benfica e o Sporting, pondo-nos em dificuldades de rivalizar com esses clubes.

Na verdade, este tratamento desigual permanece até hoje. Ainda recentemente, por pressão de uma Comissão de Moradores que evocou o belo sítio habitacional que é o Restelo (local desolado, antes do Belenenses para ali ir), o famigerado projecto imobiliário foi inviabilizado.

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Na altura escrevemos abundantemente para repor a verdade dos factos e deixar claro as injustiças de que o Belenenses já fora vítima ao longo dos anos; mas, nisso, como nas iniciativas para protestar contra uma comunicação social que só vê três clubes, não reparámos que tivesse havido nenhuma palavra nem nenhuma solidariedade de alguns (alguns, repetimos) dos actuais valentes cabos de guerra. Mas cada um sabe de si, tem os seus momentos e as suas razões.

Não é nosso hábito limitar-nos a reproduzir secamente ou de modo puramente objectivo o que já foi escrito; sempre procuramos dar vida e colorido à história. Mas, neste caso, vamos praticamente cingir-nos a citar as eloquentes palavras contidas no livro de Acácio Rosa “Factos, Nomes e Números – História do Clube de Futebol Os Belenenses; 2º Volume: 1960 a 23 de Setembro de 1984”, de que reproduzimos o seguinte:

1 – Em escrituras públicas celebradas entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Clube de Futebol «Os Belenenses» (escrituras de 1952, 1956 e 1957) ficaram consignados os seguintes princípios fundamentais:

a) concessão dada pela Câmara para a utilização dos terrenos a título precário, pelo prazo de 25 anos;
b) regresso dos terrenos à plena posse da Câmara, no termo da concessão, com todas as construções, parques e jardins neles implantados sem direito, por parte do Clube, a qualquer indemnização;

c) resgate, pela Câmara, da concessão, a todo o tempo, mediante indemnização ao Clube;

d) pagamento pelo Clube à Câmara de uma renda mensal de 83.304$70 de Janeiro de 1958 a Dezembro desse ano e a partir de Janeiro de 1959 até 1979 de uma renda mensal de 149.874$70;

e) pagamento da percentagem de 10% pelo Clube à Câmara sobre todas as explorações não desportivas realizadas no Estádio;

f) na falta de pagamento da renda, dentro dos prazos estabelecidos, (de 1 a 8 de cada mês), o direito da Câmara à posse plena do Estádio sem pagamento de qualquer indemnização ao Clube.


(...)

Iniciado em 1958 o pagamento da renda à Câmara (nesse ano, 83 304$70 por mês, como já se referiu) verificou-se a impossibilidade de o Clube suportar tal encargo. Pagaram-se os primeiros quatro meses. E nada mais.

Daí ter a direcção presidida pelo Dr. Santos Pinto, depois de consciencioso e detalhado exame à situação do Clube, tomado a iniciativa de, em fins de 1958, propor à Câmara a suspensão das rendas ou o resgate do Estádio e o seu subsequente arrendamento. As direcções que se lhe seguiram chegaram à mesma conclusão e renovaram por isso junto da Câmara aquela proposta.

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Entretanto, o Clube caminhava a passos agigantados para a agonia, esmagado com as dívidas, juros (muitas centenas de contos por ano), reformas de letras, etc., etc. Tudo se desarticulava. Na própria actividade desportiva se reflectiam em grande os efeitos da crise financeira. As portas mantinham-se abertas graças ao sacrifício de cinco ou seis dezenas de dedicados consócios que assumiram perante os bancos responsabilidades da ordem dos oito mil contos, comprometendo, muitos deles, tudo quanto tinham e até o que não tinham, além dos embaraços que esses compromissos acarretavam às suas próprias actividades profissionais. Não havia, assim, alternativa.

A dificuldade estava, no entanto, em convencer a Câmara de que só o resgate do Estádio e o seu arrendamento posterior ao Clube o podia salvar do desastre.

Disposta a Câmara a encarar o resgate, comunicou por intermédio do seu presidente ao Clube, em 8 de Fevereiro, essa sua disposição, acentuando logo que o Estádio ficaria em puro regime municipal e indicando a seguinte condição basilar: pagar o Clube, antes do resgate, todas as rendas em dívida, acrescidas dos respectivos juros de mora.

Esta condição impunha ao Clube a grave dificuldade de arranjar mais de 5 mil contos (nessa altura) para liquidar, antes do resgate, o que devia ao município. A indemnização nesse momento proposta pela Câmara deixava, apenas, o saldo líquido de cinco mil e quinhentos contos, já que à própria indemnização tinha de se ir buscar o que se pedisse emprestado para pagar, antecipadamente, as rendas.

As condições postas eram severíssimas. Não quis por isso a direcção prosseguir nas negociações sem ouvir o Conselho Geral, no qual têm assento muitos dos belenenses que mais ajudaram a enraizar e engrandecer o Clube. Por unanimidade e em votação nominal deu aquele alto órgão em reunião de 16 de Fevereiro parecer no sentido de não haver outra saída para as nossas dificuldades, concedendo todo o apoio à direcção e aconselhando-a a prosseguir nas negociações.

Em 29 de Junho de 1961, em sessão pública deliberou a Câmara resgatar o Estádio. Na tarde desse mesmo dia foi celebrada a respectiva escritura.

Foi com profundo desgosto, com a alma enlutada, que se assinou a escritura do resgate, sem a garantia do arrendamento, mesmo parcial, do belo estádio que nas suas entranhas guarda o suor honrado de milhares de Belenenses. Nesse acto não foi preferida uma só palavra!...


(...)

A Direcção e os demais corpos gerentes, bem como outros prezados e distintos consócios, tudo fizeram, absolutamente tudo, para obterem da Câmara o arrendamento do Estádio.

Recordaram-se-lhe as condições em que abandonámos as Salésias – ainda hoje campo bastante para as nossas necessidades; alegou-se que o Restelo foi produto de esforços indescritíveis e de sacrifícios sobre-humanos de milhares de belenenses ricos, pobres e remediados; que a implementação do Estádio naquele local contribuiu decisivamente para a urbanização e valorização daquela zona da cidade; que o Belenenses é instituição reconhecida pelo Governo de utilidade pública, em atenção aos relevantes serviços prestados ao País; que o Belenenses sofreria rude golpe nos seus pergaminhos se não ficasse arrendatário do Estádio.

Tudo isso e muito mais se disse, se expôs, se recomendou e nos pareceu mais do que bastante a justificar o arrendamento.

A Câmara, no entanto, foi sempre dizendo não poder conceber o resgate sem pôr o Estádio em regime de pura municipalização. Em face disto, limitámo-nos depois de pedir para que só a parte arrelvada, com as suas bancadas e anexos fosse objecto de arrendamento, ficando então em regime municipal todos os demais campos e rings.

Esta proposta não obteve, igualmente, aprovação.

Por fim já só se pediu que ao menos fosse arrendado a sala das Taças e as suas dependências onde funcionam os depósitos de material, o posto médico e rouparia. Pediu-se isto por todas as vias, mas também não fomos atendidos. Mais: a Câmara fez questão de as Taças serem retiradas do Estádio e subordinou o deferimento desse requerimento à condição de tudo o que era do Clube, incluindo as Taças, ser retirado previamente do Estádio
”.

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No relatório da Direcção de 1961 [presidida pelo Dr. Vale Guimarães], escreviam-se estas belas palavras: “Pagaram-se honrosamente as dívidas, pela segunda vez nos levaram as nossas instalações, conseguidas com muito suor e os sacrifícios de muitos anos de toda a família belenenses”.

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E, assim, entrámos no calvário da década de 60. Enquanto a Câmara Municipal de Lisboa nos punha os troféus e outros pertences do clube encaixotados à porta da rua, e nos exauria os recursos em pesadas exigências financeiras para podermos utilizar o Restelo, Benfica e Sporting recebiam da mesma Câmara Municipal a propriedade plena dos seus estádios!...

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Não admira, pois, que esses clubes avançassem para os sucessos europeus, enquanto o Belenenses, que os havia acompanhado, e que inúmeras vezes fizera vergar alguns dos maiores clubes do mundo, ficasse a lutar pela sua sobrevivência, incapaz de contratar jogadores para colmatar os grandes que iam saindo: Matateu, Yaúca, Vicente, José Pereira. Não admira que esses clubes dessem um grande salto em frente, enquanto nós nos agarrávamos desesperadamente para não cair no abismo.

Mas a honra, essa, não a tínhamos perdido; a noção da grandeza do clube, essa, não se havia esfumado. No acto de assinatura do resgate, os nossos dirigentes, repete-se, não proferiram uma só palavra! Assim fazem os que estão de pé. E Acácio Rosa, na época, sintetizava tudo, nestas palavras em entrevista ao jornal «A Bola»:

Sim, o clube fez uma cessão de direitos à Câmara, mas não negociou a honra nem a dignidade”.

Assim, era, de facto. Hoje, sorri-se ao lado de um Secretário de Estado que na nossa própria Casa diz que podemos ser um entreposto – e, porventura, tal é mesmo considerado como um elogio!