terça-feira, 25 de julho de 2006

Francisco Soares da Cunha – Um Grande Homem e um Grande Belenenses

Na data do seu nascimento, 18 de Junho de 1910, falámos aqui de Francisco Soares da Cunha, um dos maiores vultos de sempre do Belenenses.

O apontamento foi relativamente breve, ficando muito para dizer sobre um Homem a quem o nosso clube tanto deve.

Com base em elementos adicionais que nos foram amavelmente facultados, cumprimos hoje o dever de falar um pouco mais sobre esta notável Figura.



* * *


Francisco Dias Soares da Cunha nasceu em Mafra, no dia 18 de Junho de 1910, sendo filho do Capitão de Infantaria Francisco Augusto da Cunha e de Hermínia do Nascimento Soares da Cunha. Veio a falecer em 19 de Fevereiro de 1975.

Por ser filho de Oficial, desde o seu nascimento, sofreu bastante com os afastamentos resultantes das diversas comissões de serviço de seu Pai no Ultramar (Timor, Angola e Moçambique), o qual acabou por ser feito prisioneiro dos alemães em Negomano – Moçambique, tendo apenas sido liberto após a capitulação dos germânicos em 1918. Assim, foi crescendo só com o apoio de sua Mãe, tendo realizado em diversas escolas os estudos relativos ao ensino primário, que terminou com um “Bom” na Escola das Caldas da Rainha em 4 de Julho de 1919 – justamente o ano da fundação do Belenenses.

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Após este período, um pouco difícil, estabilizou a sua vida e os seus estudos, já com a presença de seu Pai, entrando no Colégio Militar, onde fez o seu curso liceal com bom aproveitamento. Ingressou, então, no Exército, na Arma de Cavalaria.

Em 18 de Junho de 1935 – justamente quando completava 25 anos – foi promovido a Alferes. Em 1 de Dezembro de 1940 foi promovido a Tenente e a 28 de Janeiro de 1946 (um ano feliz para o nosso Clube) foi novamente promovido, desta vez a Capitão de Cavalaria.

Durante a sua permanência nas fileiras foi alvo de diversas honrarias, recebendo reiterados elogios devidos à forma como sempre se conduziu e trabalhou.

Prestou serviço no RC7, em Lisboa, no RC 4, em Santarém, no Regimento de Lanceiros 2, em Lisboa, e na GNR – Regimento de Cavalaria ( 2º e 3º Esquadrões). Em 1942, foi prestar serviço na Polícia Municipal de Lisboa, a convite do então Presidente da Câmara e Ministro das Obras Públicas, Engº Duarte Pacheco.

Nestas últimas funções, há a realçar a sua acção na Comissão dos Bairros Municipais onde consolidou, com a colaboração dos restantes elementos, uma obra social muito importante naquela época.

Em 19 de Dezembro de 1952 passou à situação de reserva, tendo sido convidado para o Conselho de Administração da Sociedade Agrícola do Cassequel, pelos reconhecidos méritos verificados nas diversas acções que até aí prestara ao longo da sua vida de trabalho.

Posteriormente fez também parte dos Conselhos de Administração da Sociedade Agrícola do Incomati e da SORES, tendo sido, nesta última qualidade, elemento preponderante na construção e montagem da sua Refinaria de Açúcar em Santa Iria de Azóia. Esta sua excelente acção foi reconhecida pelos seus colaboradores nos conturbados tempos de 1975, já quase no fim da sua vida.

Pelas suas qualidades de trabalho, foi também convidado a fazer parte da Administração da PHILIPS PORTUGUESA, SARL., o que lhe mereceu, à hora do seu falecimento, palavras de grande apreço, consideração e saudade, por todos que com ele trabalharam.

Ao longo da sua vida foi sempre tido como elemento muito activo, o que levou a que todos – seus superiores, seus colegas e seus colaboradores – lhe prodigalizassem os maiores elogios. Com a sua dinâmica, impulsionava todos que com ele privavam. Era um Líder.

Com o seu casamento em Belém e as suas colocações no Regimento de Cavalaria 7 e depois em Lanceiros 2 e, ainda, com a colocação do seu Pai na Companhia de Infantaria, todas essas unidades situadas na Calçada da Ajuda, ficou-lhe o gosto pelas agremiações belenenses – Clube de Futebol “Os Belenenses” e Belém Clube – onde também se distinguiu sobremaneira pelas suas qualidades. Assim, acabou mesmo por se radicar em Belém, onde passou a maior parte da sua vida.

Em relação à sua prestação na vida Belenense, é suficientemente impressivo o seguinte resumo, da autoria do Major Baptista da Silva (o qual, de resto, o conheceu muito bem, visto que chegou ao dirigismo do Belenenses, na Direcção de 57/58, pela mão de Francisco Soares da Cunha, que também trouxe para o nosso clube muitos outros bons e dedicados elementos):

“Sem qualquer exagero o Estádio do Restelo é obra gigantesca que o Clube deve ao Capitão Soares da Cunha. A magnificência, a riqueza e o enquadramento paisagístico em que se transformou aquela pedreira no mais bonito Estádio de Portugal, foi obra desse homem de excepção.

O seu talento, capacidade de trabalho e de organização, dinamismo, coragem e ambição foram postos ao serviço do Clube na construção do Estádio, inaugurado, em 23 de Setembro de 1956, pelo Chefe do Estado, General Craveiro Lopes, em cerimónia grandiosa e inesquecível e por si idealizada.

Buscando meios financeiros que sustentassem o projecto do Arquitecto Carlos ramos, a organização do ‘Grande Sorteio de 1954’ foi marco do êxito dessa luta, pela contribuição material conseguida e pelo reforço do fervor clubista.

Toda a sua capacidade de dirigente ímpar voltou a revelar-se como Presidente da Direcção em 1957/58, projectando o Clube não só pelo Futebol como pelas Modalidades Amadoras.

No Futebol, saliente-se ter sido o BELENENSES uma das quatro equipas europeias – com o Sevilha, a Lázio e o Dínamo de Zagreb – a participar no Torneio de inauguração do Estádio Morumbi, em São Paulo e ter participado no ‘Troféu Carranza’ em Espanha.

Nas Modalidades Amadoras, destaca-se a criação do lugar de Secretário – Técnico para coordenar toda a actividade e a valorização do Hóquei em Patins e do Ténis, a par das outras secções.

De referir ainda que foi na sua gerência que o Clube contratou Helénio Herrera, um dos maiores treinadores de futebol do Mundo. E foi graças à sua actividade febril que, no mesmo período, entre outros (Abdul, Adelino; Ramin, Suarez, Cunha Velho, etc,), veio da Catumbela (Angola) para o Belenenses o famoso Yaúca. Foi também interveniente na vinda de Matateu e do seu irmão Vicente Lucas.

Nessa actividade febril, levada até à exaustão da sua saúde, foi ainda adquirido o primeiro autocarro do Clube para os seus atletas.

O Belenenses, até ao fim da sua vida, foi uma paixão e também uma preocupação, expressas nos seus últimos dias a amigos e antigos colaboradores do Clube.”

Por todas estas razões foi-lhe concedida a “Cruz de Cristo de Ouro” a 30 de Março de 1960. Dez anos antes, já havia sido consagrado como Sócio Honorário.

A atribuição do mais alto galardão do nosso clube justifica-se além de qualquer discussão. Francisco Soares da Cunha foi “O Homem do Estádio”, expressão da autoria de Albano Homem de Mello, depois consagrada nos livros de Acácio Rosa; foi elemento determinante na vinda para o Belenenses de jogadores da grandeza de Matateu, Vicente e Yaúca; foi um homem de visão e pioneiro em muitos aspectos; foi um dirigente de rara capacidade, o que aliás, foi publicamente reconhecido, muitos anos depois, por Helénio Herrera, uma grande figura do futebol mundial.

Como definição excelente da grandeza de alma de Francisco Soares da Cunha, transcreve-se uma notícia de um jornal da época:

ACÇÃO DIGNA DE REGISTO – Em Março último começou a ser demolida em Chelas, entre outras, a residência de uma viúva que ali reside com uma sua filha, em precárias circunstâncias. Aflita, a infeliz procurou descobrir uma solução para o seu caso. Foi nessa altura que o Comandante da Polícia Municipal, Capitão Soares da Cunha, condoído da sua triste sorte, tomou espontaneamente o encargo de interceder, junto das entidades competentes no sentido de que a demolição se não fizesse, o que, de facto, conseguiu.

Procurou-nos agora aquela senhora para nos pedir que apontemos tão generosa e humana atitude de quem, ainda por cima, vem custeando do seu próprio bolso uma grande parte das rendas da referida casa, suavizando, assim, os encargos da sua existência
”.

Aliás, muitos sócios de “Os Belenenses”, mais carenciados, viam as suas cotas pagas por este homem. Eram assim os Dirigentes do nosso Clube. Grandes homens fazem grandes instituições.

“Um forte rei faz forte a fraca gente, e um rei fraco faz fraca a forte gente”.

Francisco Soares da Cunha foi um dos nossos Maiores. Ainda hoje existem seus companheiros e colaboradores que o lembram e o exaltam. Aqui lhe deixamos também a nossa homenagem e gratidão, reafirmada cada vez que entramos na Casa de todos os belenenses, o Estádio do Restelo.