1920 - Atingida a Final do Campeonato de Futebol de Lisboa, logo na primeira participação
Feito para ser grande e vencedor, na vontade dos fundadores – vontade essa, hoje em dia, quase perdida e totalmente esquecida – o Belenenses fez-se à luta pelas conquistas e pelos triunfos.
Os nossos Primeiros nunca se davam por vencidos nem consideravam inatingível qualquer objectivo que fosse.
Na altura, os Campeonatos de Lisboa eram a conquista máxima a que se podia aspirar. Recém-criado, o Belenenses participou na edição de 1919/20, e Artur José Pereira e seus pares lançaram logo o olhar para um objectivo: ser campeões. Foi a sua resposta às graçolas que não nos davam mais do que uma semana de vida, lançadas da banda do Benfica. Aí sempre houve gente que nos quis ver de rastos e se possível aniquilados – desde 1919 até aos nossos dias. Basta ver as cenas e atitudes canalhas de, ainda há dias, num jogo de Futsal.
Depois de uma magnífica campanha, que incluiu vitórias nos primeiros jogos com o Benfica (2-1, cfr. 25 de Janeiro) e Sporting (cfr. 18 de Abril), sem esquecer o Vitória de Setúbal (4-1, tirando a desforra da derrota naquele que havia sido o nosso primeiro jogo – cfr. 30 de Novembro), o Belenenses ganhou o direito a disputar a final com o Benfica. Chegámos invictos à final, cedendo apenas um empate (1-1, justamente, em outro jogo, com o Benfica).
Na final, disputada em duas mãos, não fomos felizes. O adversário, com quem não tínhamos perdido na primeira fase (uma vitória e um empate, como vimos). Levou a melhor, ganhando ambos os encontros, por 2-0 e 2-1.
De qualquer forma, o registo é notável: com oito meses de vida, já eramos Vice-Campeões!
1927 - Nasce Manuel Andrade (campeão em 1946)
”Um jovem «Pilão» que fez furor no Belenenses”. Assim o apelidou o jornalista David Sequerra num artigo que foi convidado a escrever no Jornal do Belenenses, comemorativo do 50º Aniversário do Clube. Esta alcunha era comum a todos os estudantes no Instituto dos Pupilos do Exército, onde estudou Manuel Andrade, bem como outros jovens que tinham jogado e viriam a jogar no Belenenses, como Franklin, Castanheira, Jorge Vieira, etc.. O Belenenses era um Clube muito popular entre estes estudantes.
Outro «Pilão», dedicado ao jornalismo, Aurélio Márcio, redactor do Jornal «A Bola», escreveu, quinze anos antes, um outro artigo no Jornal do Belenenses, intitulado Uma «Geração de Pupilos» no futebol belenense, na edição comemorativa dos 35 anos do Belenenses e alusivo à sua condição e que ajuda a entender esta curiosa ligação:
O F.C.Porto, por força da naturalidade dos seus pequenos pupilos, na sua grande maioria do Norte, imperava no coração de muitos pupilos, mas o Belenenses era, caso curioso, talvez o clube pelo qual os «pupilos» mais gostavam de jogar.
Talvez a boa política do Dr. Coelho da Fonseca, figura de prestígio do clube belenense e que goza, entre todos os «pupilos», de acentuada e merecida simpatia, pelo muito que por eles tem feito na vida fora do Instituto, tenha estado na base dessa captação de «pupilos» para os quadros do futebol belenense.
O certo é que a geração de pupilos, contemporânea à minha permanência no Instituto, forneceu bom contingente de jogadores, e vezes sem conto me encontrei com eles a palmilhar a Serra do Monsanto, com chuva ou Sol, para os ver jogar a eles e ao Belenenses.
E, caso curioso, belenenses de projecção e influência, só o Dr. Coelho da Fonseca, antigo aluno e, por essa época, professor do Instituto, e o Oliveres, mais velho do que nós, e que mais tarde haveria de ser dirigente (N. do E.: Oliveres do Nascimento Lopes Patrão – Tesoureiro na Direcção do Belenenses de 1948 e Vogal do Conselho Fiscal em 1964)e era já, dentro da sua habitual sobriedade de gestos e atitudes, um belenense influente nos espíritos jovens dos pequenos pupilos. Que, como todos os garotos, sentem propensão em imitar os gostos e preferências dos mais velhos. (...)
O segundo «pupilo» a ingressar no Belenenses foi o Andrade, muitos anos depois (N. do E.: de Franklin). Não era o jogador nato, tipo Franklin, que nasceu para jogar futebol; fez-se na «oficina» dos pupilos, naqueles desafios intermináveis, disputados à mesma hora e no mesmo campo, sem um encontrão, sem uma troca de bola, cada um absorvido apenas pelo «seu» jogo.
Em determinada altura receámos pelo Andrade, pois achámo-lo demasiado novo quando o lançaram na «fornalha» dos jogos do Campeonato.
O Andrade, porém, tinha o que faltava a Franklin, um temperamente e uns nervos – e que nervos – de lutador.
Integrou-se no futebol de competição e veio a pertencer àquela equipa do Clube vencedora do seu último Campeonato Nacional.
Andrade poderia ter sido, não um jogador fulgurante, à maneira de Franklin, mas um futebolista sóbrio, eficiente, à maneira de Peiroteo. Mas a sua cabeça «funcionou» sempre pior que os seus pés...”
Ao ler estes artigos fica-se com a ideia de uma enorme entrega e fogosidade. Seria natural este tipo de postura para um jovem que chegara júnior ao Belenenses em 1945. Já não era tão natural o modo destemido e maduro com que encarava o jogo.
Manuel Andrade foi após uns (poucos) jogos como júnior chamado à equipa principal, de honra, que disputava o Campeonato Nacional da Primeira Divisão que o Belenenses viria a vencer.
O mais relevante é que Manuel Andrade com a tenra idade de 18 anos (com os 19 feitos dias antes de se sagrar Campeão Nacional) viria a ter tão importante papel no importante título conquistado.
Andrade estreou-se a 3 de Fevereiro de 1945 e logo num importante jogo, nas Salésias contra o F.C. Porto.
E pode dizer-se que a sua fama de jogador explosivo começou nesse dia. Manuel Andrade marcou os três golos com que o Belenenses venceria o Porto por 3-2, depois de ter estado em desvantagem por 0-2. Verdadeiramente notável para um jovem acabado de chegar.
Ao longo dessa saudosa e gloriosa época de 1945/46, Manuel Andrade continuaria a revelar as suas capacidades e a sua extrema utilidade. Foi o melhor marcador do Belenenses com 19 golos.
Um deles, o último, foi de extrema importância a todos os níveis. Foi marcado na última jornada, ao Sport Lisboa e Elvas
Aos 20 minutos da segunda-parte, o Belenenses estava a perder 2-1. Vasco, inconformado com a sorte que parecia abater-se sobre a equipa, arranca de forma fulgurante pela direita, ultrapassando na corrida inúmeros adversários, tantos os que lhe apareceram pela frente até que foi travado em falta. Na sequência desse livre Andrade marcaria o golo do empate e que viria a abrir o caminho à vitória no jogo e no Campeonato.
Manuel Andrade não faria uma longa carreira, antes pelo contrário. Como Aurélio Márcio aludiu no artigo que citámos, a sua cabeça funcionou sempre pior que os seus pés. Jogaria ainda na época de 1946/47 marcando oito golos. Pouco mais ou nada se sabe de Manuel Andrade além da referência à homenagem que lhe foi feita pelo Belenenses, com os demais campeões de 1946, como Artur Quaresma, Feliciano, José Pedro e José Sério, a 6 de Maio de 2001.
1987 – Morte de Mariano Amaro (Capitão da Equipa Campeã em 1946)
Imenso e incomparável, Amaro é um símbolo imortal do Belenenses. Ainda hoje nos lembramos de ler a notícia da sua morte e de sentirmos a nossa alma levantar-se, com reverência e comoção.
O seu palmarés pode sintetizar-se em números tão simples como expressivos: Serviu o Belenenses durante 14 anos, de 1934 (chegado do Sport Adicense) até 1948; ganhou, no nosso clubes, 1 Campeonato Nacional, 2 Campeonatos de Lisboa e 1 Taça de Portugal. Esteve presente em duas outras finais da Taça de Portugal (e estava para participar ainda numa outra quando, na véspera, soube que não podia alinhar nem continuar a sua carreira). Foi ainda duas vezes Vice-Campeão de Portugal e uma vez Vice-Campeão Nacional. Foi 19 vezes internacional, num tempo em que a Selecção Nacional (em que foi indiscutível durante uma década) jogava pouco frequentemente.
Foi Capitão do Belenenses – e que grande Capitão! O seu talento e o seu carácter impunham-se à admiração de todos, companheiros e adversários. Mariano Amaro não foi apenas um grande jogador: foi também um grande homem!
Gostava fervorosamente do Belenenses. Por isso, nos anos 40, deparamo-nos repetidamente com mensagens de apaixonado amor clubístico dirigido por Amaro aos sócios e adeptos do Belenenses.
No dia seguinte ao da sua morte, foi publicado nas páginas d’ “A Bola” por Aurélio Márcio, assumido benfiquista, um texto de que a seguir reproduzimos algumas partes:
“Era um nome histórico do futebol do Belenenses, fica bem ao lado de Artur José Pereira, dos olímpicos, como então se dizia, Augusto Silva e César de Matos, do nome lendário de José Manuel Soares (Pepe), o jovem perdido antes dos vinte anos e, claro, de Matateu, estes os nomes, não sei se nos falta algum, dos homens que ajudaram a escrever a história do futebol do Belenenses.
[Aqui, Aurélio Márcio confundiu a idade de Pepe – morreu aos 23 anos – e nas grandes figuras de jogadores do Belenenses esqueceu ou omitiu, erradamente, nomes como o das Torres de Belém, Vicente ou Serafim das Neves, por exemplo].
Mariano Rodrigues Amaro morreu ontem, aos 72 anos, fulminado por um ataque cardíaco e ficando ligado aos maiores triunfos do futebol do seu clube de sempre (…)
[Também aqui, parece ter esquecido os três Campeonatos de Portugal que o Belenenses ganhou antes de Amaro].
Era um jogador excepcional, dos maiores de sempre do nosso futebol, um centro-campista que seria hoje pago a peso de oiro, sempre do lado direito, onde mostrava uma versatilidade de jogo a fazer inveja, ainda hoje, aos nossos melhores centrocampistas.
Com ele, outra grande figura do nosso futebol, também das maiores, o madeirense Pinga, interior-esquerdo do F.C. Porto, com o qual travou duelos, nos encontros Belenenses – F.C. Porto que são da história do futebol, por conterem um elevado conteúdo técnico e uma correcção exemplar entre dois jogadores fora de série.
Dezanove vezes internacional, entre 1937 e 1947, praticamente entrou na Selecção Nacional em 1937 e dela nunca mais saiu até dar o lugar, atraiçoado por uma doença que o marcou, não a um sucessor, mas a vários jogadores que passaram pelo lugar que ele desempenhou com tanto brilho e que tantos anos levou depois a encontrar quem o substituísse.
(...) Mariano Amaro, para além da sua classe de grande jogador exibia, dentro e fora do terreno, uma correcção e uma educação exemplares, nunca criando quaisquer problemas a quem quer que fosse.
O primeiro número de ‘A Bola’ fica assinalado por uma entrevista notável, de José Alves dos Santos, em que Amaro, recuperado da doença que o acometeu (...) declara que ia recomeçar, aos 30 anos, com o mesmo entusiasmo dos seus primeiros tempos.
Um grande jogador que nos deixa, uma figura histórica do futebol português e do Belenenses.
Morreu como queria, o velho amigo, de repente, sem dar trabalho a ninguém, certamente a olhar para o sorriso de uma mulher”.
Mais expressivo e certamente mais sentido, foi o poema escrito pelo colega de equipa (nos 30 e 40), Perfeito Rodrigues (segundo Acácio Rosa, uma das maiores e incondicionais dedicações azuis)
“Ao meu grande amigo e antigo companheiro de equipa Mariano Rodrigues Amaro”:
“Amaro! Tu amaste, eu sei,
Este Clube que é nosso.
Já não podes, nem eu posso:
Fez-se tarde…É a lei!
Tantos anos a lutar!
A defender nossas cores,
Sempre presos aos amores
Que em Belém foste encontrar!
Era jovem e tinha a Cruz
A ‘bela’ que nos prendeu.
A ti te mostrou a luz
E mais tarde o apogeu!
Depois, tudo se esboroou.
Tudo fugiu num repente.
De ti apenas ficou…
Um sorriso para toda a gente.
Bem mereces a distinção
Deste Clube a que pertences.
E um abraço de gratidão
De todos os Belenenses!”
(P.S. –Como é possível que Artur José Pereira, Amaro e Augusto Silva (e Pepe e Matateu e Vicente...) não tenham a cruz de ouro, quando ainda há tempos se discutia encarniçadamente a sua atribuição a Sequeira Nunes???!!!)