sábado, 17 de junho de 2006

Neste dia, em . . .

1946 – O Belenenses é notificado pela Câmara Municipal de Lisboa para abandonar as Salésias

Decreto-Lei Nº 12.823 de 1926
Considerando que ao Governo da República não pode ser alheio o interesse pela causa desportiva do país;

Considerando que o Clube de Futebol "Os Belenenses" por várias vezes tem pedido a cedência de terrenos anexos ao Asilo Nun’Álvares para ali instalar o seu campo desportivo;

Considerando que em nada o referido asilo é prejudicado por tal cedência:
Em nome da Nação, o Governo da República Portuguesa, sob proposta do Ministro das Finanças, decreta para valer como lei o seguinte:


Artigo 1º:
É cedida a título precário ao Clube de Futebol "Os Belenenses", com sede na Rua Vieira Portuense, nº 48- 1º, em Belém, desta cidade de Lisboa, uma faixa de terrenos, constante da planta anexa ao processo arquivado na respectiva Repartição, para nela serem instalados a sede e o campo de desporto do referido clube.

Artigo 2º:
Reverterá para a posse do referido Asilo a referida faixa de terreno, com todas as obras e benfeitorias ali feitas, e sem indemnização, quando deixar de ser utilizada para o fim a que agora é destinada.

Artigo 3º:
O Clube de Futebol "Os Belenenses" entregará ao Asilo Nun’Álvares a percentagem de 6% sobre a receita bruta de todos os desafios de futebol ou festas desportivas, ali realizadas, bem como a receita líquida duma festa desportiva anual.

Artigo 4º:
Fica revogada a legislação em contrário.


Rezava assim o decreto que dava ao Belenenses o pleno usufruto dos terrenos das Salésias, em 1926.

Poder-se-à pensar, e bem, o seguinte:
- O Belenenses sabia que os terrenos lhe foram cedidos a título precário (Artigo 1º). Sem dúvida.

- O Belenenses sabia que quando dali saísse não tinha direito a indemnização e que os terrenos reverteriam, com todos os benefícios nele feitos, para o Asilo Nun’Álvares (Artigo 2º).

- O Belenenses contribuia, generosamente, com 6% das receitas obtidas para uma instituição respeitável pelo usufruto de um terreno que não era nada antes. (Artigo 3º)

Estas são notas a reter e que, mais adiante, será útil relembrar.

O Clube vivia ainda um clima de plena e justificada euforia pela conquista do último título de Campeão Nacional quando estala a “bomba”: a Câmara Municipal de Lisboa notifica o Clube para que abandone o seu Estádio das Salésias, no espaço de seis anos.

Para um observador desatento, o facto de este “convite” surgir logo após a conquista do título de Campeão Nacional poderá parecer coincidência ou nem sequer reparar. Tal vez o mesmo tenha também sucedido a quem na altura o leu. Mas quem conheça o que a seguir se passou e o que despoletou formalmente esta acção (literalmente) de despejo, consegue facilmente perceber as intenções de tal decisão.

Em Maio de 1946, o Belenenses solicitou autorização camarária para a introdução de um conjunto de beneficiações nos equipamentos desportivos e sociais, a expensas próprias – como sempre.
A resposta chegaria (neste dia) com a aprovação solicitada para a realização das obras mas, em simultâneo, recebe a insólita notificação de que apenas poderia permanecer nesses terrenos por um período de mais 6 anos. Sem explicação.

Mas caso o leitor seja desconhecedor das peripécias que desde então (e especialmente nos 15 anos seguintes) assolaram o Clube, atente na foto seguinte. Desafiamo-lo a descobrir o, então utilizado como desculpa, “plano de urbanização da capital do império”.

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Chocante, não é?
O leitor percepciona correctamente. Não há plano nenhum concretizado, nem 60 anos volvidos sobre a notificação. Nem plano nem coisa nenhuma. Excepção feita à pequena faixa alcatroada (uma estrada sem saída) junto à cerca da Escola Marquês de Pombal, onde se situava a bancada de betão armado coberta. De bairro habitacional nem um tijolo para amostra...

Curioso, não? Adiante.

Em resumo, o respeito pela letra do Decreto é completamente parcial e tendenciosamente aplicada. Senão vejamos:

- O Artigo 1º foi correctamente aplicado. Era uma cedência a título precário. A prova é visível logo pelo facto que é neste dia assinalado.

- Com o Artigo 2º entramos na diversidade de critérios. Se por um lado é verdade que o Belenenses não foi indemnizado, o que responde à letra do Decreto, por outro também o é verdade que para o Asilo Nun’Álvares os terrenos NÃO reverteram, com todos os benefícios nele feitos, para o Asilo Nun’Álvares

Poderemos questionar a capacidade de antevisão, de previsão, ou mesmo de planeamento de quem, dirigindo o Belenenses e sabendo destes artigos, mesmo assim insistiu sempre e muito investiu na criação de instalações ímpares e acessíveis a todos para a prática desportiva e que, durante anos, albergou no seu Estádio, nas míticas Salésias, os jogos da Selecção Nacional de Futebol e as finais da Taça de Portugal.

É verificar o que nestes apontamentos assinalamos quanto a beneficiações de comodidade, utilidade e qualidade para a prática desportiva generalizada e não apenas competitiva que o Belenenses realizou nestes terrenos. E obviamente que não referimos todas, apenas as que nos pareceram mais significativas:

15/12/1926 – Concessão dos Terrenos das Salésias
05/04/1927 – Início das Obras de Construcção do Campo das Salésias
29/01/1928 – Inauguração do Campo das Salésias (ver também apontamento do dia, em 1949)
21/06/1931 – Inauguração do Primeiro Corpo de Bancadas
25/05/1934 – Inauguração da Pista de Atletismo
22/03/1936 – Inauguração da Cobertura das Bancadas
16/12/1936 – Início da Construção do Campo de Treinos
24/04/1937 – Inauguração do Relvado
12/02/1939 – Inauguração do Peão
21/10/1940 – Inauguração da Iluminação do Campo de Basquetebol
29/12/1947 – Inauguração do Ginásio
23/09/1952 – Inauguração da Sala de Troféus
09/09/1956 – Último jogo nas Salésias

A indemnização de facto não nos era devida. Em termos formais, claro. Não se pode questionar, tal é forma como está explícito no decreto.

Estranha-se (ou talvez não) é o tratamento discriminatório a que o Belenenses foi sujeito face a outros clubes de Lisboa (escusado será nomear quais, pois todos sabemos quais são os dois beneficiados sistematicamente) que não deixaram obra, antes pelo contrário (bancadas de madeira e campos pelados, zero de estruturas desportivas e outras), que, (não) tendo o mesmo direito a ser indemnizados o foram e regiamente, o que, à época constituiu abono considerável na sua também legítima pretensão de construir os novos estádios nos terrenos que lhes foram oferecidos (sublinhe-se) pela mesma Câmara.

Numa tentativa coxa e ilusória de ressarcir o Belenenses de alguma forma, foi-nos concedida a «graça» de permanecer em Belém, na condição de o Belenenses aceitar o único terreno disponibilizado pela Câmara Municipal de Lisboa. Uma antiga pedreira abandonada, a que a Camâra não sabia que destino dar. Um buraco de mais de 18 metros de profundidade na sua cota mais alta. Um buraco em que o Belenenses se enterrou em dívidas para aí erguer o seu orgulhoso Novo Estádio.

É muito mais do que mera especulação, de tão óbvio é, defender que as intenções de quem tomou estas decisões na época foram plenamente concretizadas: o Belenenses perdeu a partir daí todo o seu fulgor desportivo.

Poderão pensar que é exagero, mas não é. Senão vejamos: o Benfica em 1953 jogava num pelado com bancadas de madeira – a tal “serração” (o Belenenses tinha um relvado desde 1937, portanto há 16 anos) e quando de lá saiu, no ano seguinte, recebeu 400 contos (que há época era uma fortuna). O Belenenses foi forçado a abandonar um verdadeiro complexo desportivo e recebeu ZERO. Assim, é mais fácil perceber como, com o advento das provas europeias na década de 60, o Benfica e o Sporting ganharam taças europeias enquanto o Belenenses pagava uma renda incrível para utilizar o próprio Estádio do Restelo e para isso tinha de vender os melhores jogadores.

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Sabendo disto, não é possível a um Belenense, que honre a sua história, ficar indiferente a acusações, tão torpes como ignorantes, com que nos pretendem conotar com um regime fascista e autoritário que ficou conhecido por “Estado Novo”. E infelizmente temos de ouvir essas acusações falsas de doutas figuras que das duas uma: ou são mentirosas e tendenciosas, porque procurar desviar as atenções para os próprios beneficios que os clubes de que são adeptos receberam então e ainda recebem do regime subsequente, ou então são profundamente incompetentes e ignorantes porque desconhecendo a realidade dos factos não os investigam, repetindo constantemente as mesmas alarvidades.

A velha máxima de que uma mentira, se muitas vezes repetida, é tomada como uma verdade tem infelizmente imperado. Por isso é importante que todos os Belenenses conheçam e divulguem os factos que se passaram. É uma obrigação de todos nós.